01.09.2025 Ícone da categoria

Horizontes Fundidos: Pierre Fatumbi Verger e as Pontes Culturais

Inauguração no MAB conjuga memória e invenção

Horizontes Fundidos: Pierre Fatumbi Verger e as Pontes Culturais Exposição Pierre Verger | Foto: Gabriel Nascimento

No último dia 29 de agosto, o Museu de Arte da Bahia (MAB) abriu as portas para a exposição Horizontes Fundidos: Pierre Fatumbi Verger e as Pontes Culturais, uma mostra que propõe um diálogo entre a obra monumental do fotógrafo, etnógrafo e antropólogo Pierre Fatumbi Verger e as experimentações digitais e híbridas do artista franco-beninense Emo de Medeiros.

A exposição reúne cerca de 110 fotografias analógicas de Verger e 25 obras de Medeiros, além de documentos originais, entrevistas e instalações, disponíveis até 29 de novembro em Salvador. O encontro entre esses dois criadores atravessa temporalidades distintas, mas que convergem em um mesmo eixo: a diáspora africana como pulsação contínua da memória e da invenção.

Pierre Verger

Pierre Fatumbi Verger: da lente à iniciação

Nascido em Paris em 1902, Pierre Édouard Léopold Verger construiu uma trajetória ímpar. Fotógrafo autodidata, começou a registrar culturas ao redor do mundo a partir de 1932, colaborando com jornais e revistas como Life, Paris Match e O Cruzeiro. Em 1955, seu trabalho integrou a icônica mostra The Family of Man, no MoMA de Nova York, vista por milhões de pessoas.

Foi em 1946, ao chegar ao Nordeste brasileiro, que sua vida sofreu a virada decisiva. Na Bahia e em Pernambuco, Verger encontrou não apenas temas para suas fotografias, mas um universo espiritual que transformaria seu destino. Nos anos seguintes, ao viajar para o Benim, foi iniciado no culto de Ifá, tornando-se babalaô e recebendo o nome de Fatumbi, que significa “renascido pela graça de Ifá”.

Esse renascimento moldou sua obra e sua missão. De observador curioso, tornou-se pesquisador profundo da cultura iorubá e da religiosidade afro-brasileira. Sua produção, que inclui o clássico Retratos da Bahia (1946–1952), transcendeu a fotografia e alcançou a antropologia, a etnologia e a literatura, consolidando-o como uma das maiores referências no estudo da diáspora africana.

Exposição Pierre Verger | Foto: Gabriel Nascimento

Em 1988, criou a Fundação Pierre Verger, em Salvador, legando à instituição mais de 62 mil negativos, manuscritos, gravações, filmes e correspondências. Sua atuação como professor da Universidade Federal da Bahia e colaborador na criação do Museu Afro-Brasileiro ampliou ainda mais o impacto de sua obra. Verger morreu em 1996, mas permanece como um elo fundamental entre a África e as Américas.

Emo de Medeiros e as contexturas do hibridismo digital

Quase meio século depois, em outra geografia, nasce em 1979 o artista Emo de Medeiros, em Cotonou, Benim. Formado em História, Sociologia e Antropologia na École Normale Supérieure, Medeiros expandiu sua pesquisa no campo das artes visuais em Paris e Boston. Hoje, transita entre França e Benim, produzindo uma obra que cruza fronteiras disciplinares e tecnológicas.

Medeiros trabalha com fotografia, vídeo, instalação, escultura, performance, têxteis e música eletrônica, criando experiências imersivas que ele denomina “contexture” — fusões entre o material e o imaterial, o digital e o físico, o tradicional e o globalizado.

Emo de Medeiros | Foto: Gabriel Nascimento

Seus projetos exploram temas como identidade em transformação, pós-colonialidade, hibridismo cultural e os efeitos da revolução digital sobre formas de expressão africanas contemporâneas. Já apresentou trabalhos em instituições como o Centre Pompidou, o Palais de Tokyo e a Bienal de Dakar, além de integrar acervos e mostras em diferentes continentes.

Emo de Medeiros encarna uma dimensão artística que não se limita ao testemunho, mas propõe a reinvenção das memórias coletivas em meio à globalização acelerada.



Entre orixás e fluxos eletrônicos: uma ponte visual

A curadoria da mostra Horizontes Fundidos constrói um diálogo potente. De um lado, Verger, que percorreu os caminhos da ancestralidade, registrando ritos, paisagens e cotidianos com olhar atento e respeito profundo. De outro, Medeiros, que atualiza esse legado ao lançar mão de linguagens digitais, interativas e híbridas, capturando o presente da diáspora em mutação constante.

O encontro de ambos no Museu de Arte da Bahia não é apenas uma exposição, mas um convite a refletir sobre as continuidades e rupturas da experiência negra no mundo: do analógico ao digital, do rito ao código, da Bahia a Cotonou.

Exposição Pierre Verger | Foto: Gabriel Nascimento

Horizontes Fundidos: um diálogo profundo entre o passado e futuros possíveis

Mais do que um recorte histórico, a mostra Horizontes Fundidos se apresenta como um gesto de futuro. Em Verger, vemos a preservação da memória e o respeito às tradições afro-brasileiras e africanas. Em Medeiros, vislumbramos a reinvenção dessas tradições no campo do contemporâneo e do tecnológico.

Entre eles, forma-se uma ponte cultural que atravessa tempos, territórios e linguagens, reafirmando que a diáspora africana não é apenas herança, mas um horizonte em permanente expansão.

A exposição fica em cartaz até 29 de novembro, no Museu de Arte da Bahia, em Salvador, com entrada gratuita.


Serviço:

Exposição: Horizontes Fundidos: Pierre Fatumbi Verger e as Pontes Culturais
Local: Museu de Arte da Bahia – Av. Sete de Setembro, 2340, Corredor da Vitória, Salvador – BA
Período: 29 de agosto a 29 de novembro
Horários: Terça a sexta, das 10h às 18h; sábados, domingos e feriados, das 13h às 17h
Entrada: gratuita