46 Anos do Movimento Negro Unificado

A trajetória e as conquistas do Movimento Negro Unificado (MNU) em seus 46 anos de luta contra o racismo no Brasil.

46 Anos do Movimento Negro Unificado Manifestação do Movimento Negro Unificado, na Praça da Sé em comemoração do Dia da Consciência Negra em 20 de novembro de 1979

Hoje, celebramos o 46º aniversário de um dos marcos mais importantes na luta contra o racismo no Brasil: a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU). Com uma trajetória de conquistas significativas e uma atuação incansável, o MNU tem desempenhado um papel crucial na visibilidade da questão racial e na busca por representatividade e igualdade.

O surgimento do Movimento Negro Unificado

A fundação do MNU foi deliberada em uma reunião de entidades negras realizada em São Paulo em 18 de junho de 1978. Essa reunião contou com a participação da Câmara de Comércio Afro-Brasileira, do Centro de Cultura e Arte Negra, da Associação Recreativa Brasil Jovem, da Afrolatino América, da Associação Casa de Arte e Cultura Afro-Brasileira, da Associação Cristã Beneficente do Brasil, do Jornegro, do Jornal Abertura, do Jornal Capoeira, da Company Soul e da Zimbabwe Soul. O objetivo do MNU era “defender a comunidade afro-brasileira contra a secular exploração racial e desrespeito humano a que a comunidade é submetida”, “para que os direitos dos homens negros sejam respeitados” e para organizar o ativismo em ampla escala, “levando o negro a participar em todos os setores da sociedade brasileira”.

Integrantes da Marcha do Movimento Negro Unificado em São Paulo, em 1979
Integrantes da Marcha do Movimento Negro Unificado em São Paulo, em 1979

A primeira atividade do movimento foi a organização de um ato público contra o racismo, realizado em 7 de julho do mesmo ano, reunindo cerca de 2 mil pessoas. Este ato protestava contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê e contra a morte de Robson Silveira da Luz, que foi torturado no 44º Distrito de Guaianases.

Originalmente denominado Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, o nome foi abreviado para Movimento Negro Unificado em 1979. A criação do MNU é geralmente reconhecida como um marco no movimento negro brasileiro, assinalando a retomada do ativismo que fora desmantelado pela ditadura militar, e até hoje é uma das entidades mais importantes em seu gênero no país, sendo uma referência para muitos outros grupos.

A luta contra o mito da democracia racial

Desde sua concepção, o MNU tem se posicionado contra o mito da democracia racial no Brasil. Este conceito, difundido principalmente pela obra de Gilberto Freyre, sugeria que a miscigenação no Brasil resultava em uma sociedade sem racismo. No entanto, a realidade cotidiana dos negros brasileiros, marcada pela discriminação, violência policial, desemprego e precariedade, evidenciava o contrário.

O MNU foi fundamental na denúncia dessas injustiças e na promoção de ações concretas para melhorar as condições de vida da população negra. Segundo Regina Lucia Santos, uma das integrantes do MNU desde 1996, “No momento da fundação, o pessoal do movimento denunciava a inexistência da democracia racial tão falada inclusive pelo regime militar”.

Influências e filosofias orientadoras

O surgimento do MNU foi influenciado pelas lutas a favor dos direitos dos negros nos Estados Unidos, pelos movimentos de libertação dos países africanos como Guiné-Bissau, Moçambique e Angola, e por correntes de pensamento marxista. Neste contexto, o MNU inicialmente assumiu um discurso politizado radical, compreendendo a luta contra o racismo como parte da luta contra o capitalismo.

A política que conjugava raça e classe atraiu aqueles ativistas que cumpriram um papel decisivo na fundação do MNU, como Flávio Carrança, Hamilton Cardoso, Vanderlei José Maria, Milton Barbosa, Rafael Pinto, Jamu Minka e Neuza Pereira. Segundo Petrônio Domingues, “a política que conjugava raça e classe atraiu aqueles ativistas que cumpriram um papel decisivo na fundação do Movimento Negro Unificado.”

A expansão e a relevância do MNU

O MNU rapidamente expandiu sua atuação, abrindo núcleos em vários estados e ampliando suas filosofias orientadoras. Entre seus projetos e atividades estavam a denúncia do mito da democracia racial, a conscientização política da população negra, o engajamento dos sindicatos e partidos políticos, a busca de alianças nacionais e apoios internacionais, a introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, e a promoção do acesso dos negros a todos os níveis educacionais.

Essas ações se tornaram fundamentais na luta contra a marginalização, a violência policial, o desemprego e a pobreza, além de fortalecerem a identidade do negro no país e afirmarem seu importante papel histórico, cultural e social. A valorização das raízes africanas e a recuperação da memória também foram pilares dessa luta.

Conquistas significativas

Educação e Cultura

Uma das grandes vitórias do MNU foi a promulgação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. Esta lei também instituiu o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, em homenagem a Zumbi dos Palmares. Além disso, o movimento foi crucial na aprovação da Lei de Cotas (Lei 12.711/12), que reserva 50% das vagas nas universidades federais para alunos de escolas públicas, levando em consideração critérios raciais e sociais.

Estas conquistas representam passos significativos na luta por igualdade e inclusão, permitindo que a contribuição das matrizes africanas para a formação do povo brasileiro seja reconhecida e valorizada. Segundo José Adão Oliveira, “A juventude acessou a universidade e utiliza a própria metodologia científica para derrubar e desmascarar todos os argumentos e justificativas para a existência do racismo no Brasil e no mundo.”

Inclusão na Constituição

O MNU teve um papel fundamental na inclusão dos direitos dos povos quilombolas na Constituição de 1988. Apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito, pois muitos territórios quilombolas aguardam demarcação. A luta do movimento continua a ser vital para garantir que esses direitos sejam plenamente reconhecidos e implementados.

A participação na discussão da Constituinte foi um momento ímpar para a história do MNU, conforme destacado por Regina Lucia Santos: “Tem um momento ímpar para a história do Movimento Negro Unificado, que foi a participação na discussão da Constituinte, e o papel do negro na Constituinte.”

Figuras Proeminentes do MNU

Lélia Gonzalez

Lélia Gonzalez foi uma das intelectuais mais importantes do movimento. Formada em história e filosofia, Lélia integrou elementos de psicanálise, marxismo negro e feminismo em sua obra, destacando as particularidades vividas pela mulher negra. Ela foi uma das fundadoras do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras e do Coletivo de Mulheres Negras N’Zinga, além de ter participado ativamente do MNU.

Sua representação e denúncia das particularidades vivenciadas pela mulher negra no racismo estrutural, bem como a ideia da amefricanidade – a reivindicação de uma identidade afro-latino-americana – foram fundamentais para o movimento. Em uma ocasião, Angela Davis, uma das mais importantes feministas negras e intelectual estadunidense, destacou a importância de Lélia: “Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês poderiam aprender comigo.”

Abdias do Nascimento

Abdias do Nascimento foi um multifacetado pensador, ator, poeta e ativista. Ele fundou o Teatro Experimental do Negro em 1944, com o objetivo de resgatar os valores da cultura africana. Abdias também é conhecido por sua tese sobre o “genocídio do negro brasileiro”, que retrata a contínua marginalização e violência contra os negros no Brasil.

Tendo participado intensamente de todas as fases do movimento negro brasileiro, Abdias estava presente nas primeiras assembleias organizativas do MNU. Ele teve uma influência significativa na mudança de nome do movimento para Movimento Negro Unificado. Sua importância histórica é citada no filme recente do rapper Emicida – AmarElo.

Milton Barbosa

Milton Barbosa, conhecido como “Miltão”, foi uma figura central no MNU desde a sua fundação. Envolvido com o movimento negro e o samba, ele foi fundamental na articulação entre o MNU e grupos como os Racionais MC’s nos anos 90. Milton continua a ser uma voz importante na luta contra o racismo e na promoção da igualdade.

Em entrevista, Milton destacou o papel das escolas de samba e das religiões de matriz africana na preservação e valorização da cultura negra no Brasil: “O carnaval desse ano foi um carnaval avançado, politizado, as escolas de samba fizeram denúncias da morte da Marielle, do racismo no Brasil. As discussões que a gente fazia no movimento, hoje se esparramou.”

Fundadora e coordenadora regional do Movimento Negro Unificado, Regina Lúcia dos Santos e seu companheiro Milton Barbosa, na escadaria do Theatro Municipal, em São Paulo
Fundadora e coordenadora regional do Movimento Negro Unificado, Regina Lúcia dos Santos e seu companheiro Milton Barbosa, na escadaria do Theatro Municipal, em São Paulo

Desafios e Perspectivas Atuais

A ascensão da extrema direita tem imposto desafios significativos ao movimento negro. A retirada de direitos históricos, como a ameaça às cotas nas universidades e nos concursos públicos, tem sido um ponto de preocupação. Além disso, a reforma da previdência afeta diretamente a população negra, que tem menor expectativa de vida e, portanto, menos chances de se aposentar.

Regina Lucia Santos destacou em entrevista a importância de continuar a luta contra o genocídio da juventude negra e o racismo religioso: “Acho que uma das principais pautas hoje é contra o genocídio da juventude negra, da população negra em geral, o fim do racismo religioso.”

José Adão Oliveira enfatizou a necessidade de articulação e fortalecimento do movimento: “A articulação e fortalecimento do movimento está em sermos coletiva e individualmente mais amorosos, afetuosos, solidários e pró-ativos em tudo que valoriza e vitaliza coletivamente a população negra. Devemos ser protagonistas e exemplificadores destes valores.”



Luta contínua

A trajetória do Movimento Negro Unificado é uma história de resistência, coragem e conquista. Desde sua fundação há 46 anos, o MNU tem sido uma força motriz na luta contra o racismo no Brasil, promovendo mudanças significativas e defendendo os direitos da população negra. Hoje, celebramos não apenas seu aniversário, mas também o impacto duradouro de suas ações e a importância de continuar essa luta por um Brasil mais justo e igualitário.

As palavras de Milton Barbosa resumem bem a missão contínua do MNU: “O MNU veio em resposta a esses ataques sistemáticos sobre a população negra, a juventude negra. Hoje entendemos que há um projeto de genocídio da população negra no Brasil. As reivindicações são muito parecidas, mas há aspectos de diferenças conjuntural. Temos que lutar com todas as forças para que a gente não perca os direitos conquistados até hoje.”

Referências

  • Domingues, Petrônio. “Movimento Negro Unificado: Uma luta contínua contra o racismo.”
  • Santos, Regina Lucia. Entrevista para o Brasil de Fato.
  • Barbosa, Milton. Entrevista para o Brasil de Fato.
  • Oliveira, José Adão. Entrevista para o Brasil de Fato.
  • Instituto de Pesquisa das Culturas Negras. “História e Conquistas do MNU.”