A errância como fundamento: Instituto Tomie Ohtake realiza o seminário A terra, o fogo, a água e os ventos

Programação amplia a leitura do pensamento de Édouard Glissant, autor essencial para compreender identidade na modernidade afro-atlântica.

A errância como fundamento: Instituto Tomie Ohtake realiza o seminário A terra, o fogo, a água e os ventos Édouard Glissant ©AFP - Ulf Andersen / Aurimages

O Instituto Tomie Ohtake realiza, nos dias 24 e 25 de novembro de 2025, o seminário A terra, o fogo, a água e os ventos, parte da programação da exposição A terra, o fogo, a água e os ventos – Por um Museu da Errância com Édouard Glissant, em cartaz no instituto. A iniciativa é apresentada pelo Ministério da Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet).

A importância de Édouard Glissant

É um momento importante para revisitar Édouard Glissant (1928–2011), pensador martinicano cuja obra continua a redefinir debates sobre identidade, cultura, política, língua, literatura e colonialidade. Glissant, frequentemente associado ao grande ciclo intelectual do Caribe — ao lado de Césaire, Fanon, Élie e Patrick Chamoiseau — elaborou uma filosofia da relação que confronta noções tradicionais de centro, transparência e universalidade. Sua concepção de mundo é multiplicada, rizomática, atravessada por fluxos e encontros que recusam hierarquias unívocas.

Foto: © sylvieglissant/Instagram

Sua noção de crioulização formula um processo contínuo de transformação entre culturas, sem síntese ou fusão total; uma fricção criativa que produz novas formas de existência. A opacidade, talvez seu conceito mais citado, afirma o direito de indivíduos e povos não serem totalmente compreendidos ou traduzidos por modelos coloniais de conhecimento. A errância — termo central da exposição e do seminário — não é dispersão, mas método: caminhar através de geografias culturais sem submeter-se a centros de poder ou identidades fixas. Já a ideia de arquipélago, contraposta às metáforas continentais, propõe um mundo feito de ilhas conectadas por relação, e não por dominação.

É esse universo que orienta o seminário organizado por Ana Roman, Paulo Miyada e Sylvie Séma Glissant, reunindo nomes como Patrick Chamoiseau, Manthia Diawara, Nadia Yala Kisukidi e Anne Lafont — vozes que, cada uma à sua maneira, expandem a discussão sobre arte, diáspora, literatura e política.

Os encontros terão tradução simultânea e transmissão pelo canal do Instituto Tomie Ohtake no YouTube.

Como parte da programação, a editora Bazar do Tempo lança a nova edição de O discurso antilhano, de Édouard Glissant. Publicado originalmente em 1981, o livro — traduzido por Thiago Florencio, com revisão técnica de Luís Carlos Ferreira e Mirella Bottaro — é um dos pilares da obra do autor. Ali, Glissant articula poesia, filosofia, história e antropologia para discutir as tensões entre língua, memória e identidade nas Antilhas. O texto antecipa elaborações cruciais que se tornariam referências globais, como a “Poética da Relação”. A edição será vendida com exclusividade na Loja Tomie, ao preço de R$ 160,00.

O seminário integra o projeto Arquipélago Glissant, uma articulação da Temporada França–Brasil que envolve o Institut français, o Institut du Tout-Monde, o Édouard Glissant Art Fund, a Bazar do Tempo, a FLUP – Festa Literária das Periferias, o Instituto Tomie Ohtake, o MAM_BAHIA e o Pivô Salvador. A iniciativa propõe múltiplos formatos de diálogo entre a obra de Glissant e a produção artística no Brasil. Como recorda Sylvie Séma Glissant, ecoando o autor: “Nous avons rendez-vous où les océans se rencontrent” (“Temos um encontro onde os oceanos se encontram”).

Antes de chegar a São Paulo, nos dias 24 e 25 de novembro, o Arquipélago Glissant passa pelo Rio de Janeiro (21 de novembro, na FLUP) e segue depois para Salvador (27 a 29 de novembro), em parceria com o MAM_BAHIA e o Pivô Salvador.


PROGRAMAÇÃO – SÃO PAULO

Instituto Tomie Ohtake | 24 e 25 de novembro de 2025
Inscrições aqui

Segunda-feira, 24 de novembro

15h — Mesa: Por um museu, com Édouard Glissant
Participantes: Sylvie Séma Glissant; Étienne de France; Manthia Diawara; José Eduardo Ferreira dos Santos
Mediação: Paulo Miyada
Sinopse: Glissant concebeu o “museu da errância”, um museu atento ao século 21, às múltiplas origens e às relações dinâmicas que atravessam as artes. A mesa aborda essas conexões e seus desdobramentos, em diálogo com a exposição em cartaz.

18h — Performance: KREOLINESIA
Com: Denis Pourawa
Sinopse: Performance de poesia falada do escritor kanak Denis Pourawa: uma travessia pelo imaginário de ilhéus insubmissos. O recital parte de poemas de Pays rêvé, pays réel, de Édouard Glissant, musicados por Pourawa, e inclui textos de Ton âme corail e Les Pléiades errantes.

19h — Conferência: Arquipélagos da palavra
Com: Patrick Chamoiseau e Edimilson Pereira dos Santos
Sinopse: Dois autores centrais da literatura caribenha e afro-atlântica refletem sobre crioulização, poética do arquipélago e literatura como insurgência simbólica, ética da tradução e abertura ao outro.


Terça-feira, 25 de novembro

14h — Exibição do filme: Édouard Glissant, portrait d’écrivain
Direção: Guy Deslauriers
Roteiro: Patrick Chamoiseau, Guy Deslauriers, Claude Chonville
França • 2013 • 45 min
Sinopse: O filme acompanha o percurso de Glissant — dos vestígios da escravidão na Martinica ao Prêmio Renaudot (1958) — e sua elaboração de conceitos como Relação, Opacidade e Todo-mundo. Trata-se de uma investigação sobre modos de ver e habitar o mundo.

16h — Mesa: Sobre errância, diáspora e traços
Participantes: Nadia Yala Kisukidi; Eugênio Lima; Lígia Fonseca Ferreira
Mediação: Paulo Miyada
Sinopse: A mesa discute a errância como forma de existência, o direito à opacidade e a diáspora como movimento permanente de criação, desvio e recomposição. O “traço”, para Glissant, é marca e passagem; memória e reinvenção.

18h — Conferência: Ver em Relação: opacidade, rastro e arquivo
Com: Anne Lafont em diálogo com Ana Kiffer
Sinopse: A conferência examina como raça, visibilidade e colonialidade conformaram a história da arte no Atlântico. A partir de Glissant, discute-se o que vemos — e o que deixamos de ver — ao revisitar imagens, arquivos e museus.



Sobre a exposição A terra, o fogo, a água e os ventos – Por um Museu da Errância com Édouard Glissant

Inspirada na antologia La Terre, le feu, l’eau et les vents (2010), a mostra imagina um “Museu da Errância”, em que paisagem e palavra se refletem mutuamente. Manuscritos, cadernos e vídeos apresentam conceitos como crioulização, arquipélago, tremor e opacidade, tensionando urgências contemporâneas ligadas à diversidade e aos elementos naturais.

Pela primeira vez no Brasil, parte da coleção pessoal de Glissant, hoje preservada no Mémorial ACTe (Guadalupe), é exibida ao lado de obras de artistas contemporâneos de diferentes regiões do mundo. O conjunto reúne trabalhos históricos e recentes, construindo conexões entre paisagem, linguagem e memória. Parte das obras foi especialmente comissionada para o projeto, ampliando o museu imaginado por Glissant como espaço vivo, sem centro, em permanente deslocamento.


SERVIÇO

Seminário A terra, o fogo, a água e os ventos
Organização: Ana Roman, Paulo Miyada e Sylvie Séma Glissant
Dias 24 e 25 de novembro
Inscrições: https://forms.gle/1raNv3WshzH2Hvo78

Instituto Tomie Ohtake
Av. Faria Lima, 201 (Entrada pela Rua Coropé, 88) – Pinheiros, SP
De terça a domingo, das 11h às 19h [última entrada às 18h]
Entrada franca
Telefone: 11 2245 1900
Metrô mais próximo: Estação Faria Lima / Linha 4 – Amarela

Site: institutotomieohtake.org.br
Facebook: facebook.com/inst.tomie.ohtake
Instagram: @institutotomieohtake
YouTube: youtube.com/@tomieohtake