Recentemente vi pipocando na minha timeline uma publicação diretamente do Mapa dos Festivais, a maior plataforma de conteúdo sobre festivais de música no Brasil, falando sobre o cancelamento e adiamento de alguns festivais no país. Tenho a percepção de que o Primavera Sound ter sido cancelado foi só a cereja do bolo, mais um sintoma do que nós, profissionais da economia criativa, estamos apontando há tempos. Se tá ruim para os grandões, imagine para os mais ousados, de pequeno e médio porte, que ousam desafiar o status quo? A instabilidade do mercado criativo brasileiro, agravada por diversos fatores, torna cada vez mais difícil a realização de eventos como esse.
A pandemia da Covid-19 elevou drasticamente a precariedade do setor que já enfrentava desafios de valorização, ele foi um dos primeiros a sentir os efeitos da crise, com paralisação quase total das atividades. Para se ter uma ideia, de acordo com uma pesquisa realizada em parceria entre USP, Sesc, Unesco e as secretarias de cultura de todos os Estados brasileiros, metade dos cinco milhões de trabalhadores viu seu faturamento cair de 48% entre março e junho de 2020, ainda no primeiro ano da crise sanitária.
As políticas públicas para planejamento e estruturação de sistemas organizacionais, embora existam, ainda são insuficientes e não conseguem garantir a estabilidade e o desenvolvimento do setor, especialmente nos municípios menores, que continuam sofrendo com a gestão cultural precária e sujeita a oscilações.
Vejo nos Operários da Cultura os maiores símbolos de resistência e estratégia para driblar impossibilidades e encontrar soluções. Em 2020, pude participar da construção do Festival Favela em Casa, idealizado e produzido por Andressa Oliveira, Marcelo Rocha e Coletivo Favela em Casa, com programação gratuita e que reuniu música, teatro, dança, literatura e audiovisual, além de uma série de talks, em 12 horas de programação. Tudo transmitido pelas redes sociais, fortalecendo produtores, artistas, coletivos e demais profissionais da cadeia.
Segundo o Mapa dos Festivais, até o final de agosto de 2024, 31 festivais de música alteraram sua data de realização, entre eles: Samba & Sofrência (BA), Rock Remembers (PE), Ilha Festival (MA) e Festival Vambora (MT). Desses, 14 foram cancelados, 15 adiados e dois festival tiveram 1 dos seus 2 dias de evento cancelado.
“Não tinha nenhum show que eu gostasse”, disse Caio Castro em entrevista ao F5, campeão de ações publicitárias no Rock in Rio.
Minhas conclusões gerais são desconfortáveis e estão muito alinhadas ao que pensam outros pesquisadores. É urgente compreender a dimensão das mudanças que já esbarram na fragilidade ou mesmo inexistência de indicadores culturais de acesso, demanda e consumo de cultura, assim teremos subsídios para formulação de políticas públicas e ajudem a fortalecer o setor.
Em uma meta ambiciosa, se espera gerar um milhão de novos empregos até 2030, elevando, em consequência, a atual participação de 3,11% do setor no Produto Interno Bruto (PIB). Por isso, precisamos de mão de obra qualificada e oportunidades vantajosas que atraiam profissionais, inclusive formalização, estabilidade e garantia de direitos.
Da mesma forma, penso que os consumidores também devem ser mais críticos em relação ao que lhes é ofertado, muitas vezes a preços acima da inflação. Precisamos nos responsabilizar por cobrar posicionamento, conduta coerente, inovação e boas práticas de governantes e dos gigantes do entretenimento brasileiro. Já diria Gilberto Gil, a gente tem que parar com essa história de achar que esse é um consumo supérfluo, cultura é direito, é o arroz com feijão, tem que tá na mesa, na cesta básica de todo mundo.