No universo complexo das relações humanas, a questão do amor é um tema central que permeia a vida de todos nós. Contudo, quando olhamos para a experiência dos negros em relação ao amor, somos confrontados com camadas profundas de desafios e construções sociais que moldam não apenas como amamos, mas também como nos vemos e somos vistos.
As Perspectivas de Bell Hooks
bell hooks1, renomada autora e ativista, nos leva a um mergulho profundo na dinâmica do amor. Ela nos alerta para a necessidade de reconhecermos que as definições falhas de amor, muitas vezes enraizadas em experiências passadas, podem dificultar nossa capacidade de amar plenamente quando chegamos à idade adulta. Para hooks, o amor verdadeiro requer uma mistura de ingredientes essenciais como carinho, afeição, respeito e compromisso, além de uma comunicação aberta e honesta. Essa visão nos instiga a uma autorreflexão profunda sobre como aprendemos a amar desde cedo e como essas aprendizagens moldam nossas relações futuras.
A Educação do Amor: De Onde Vem?
A análise de hooks nos leva a questionar: de onde vem nossa educação sobre o amor? É nesse ponto que entramos na perspectiva de Stanley Keleman2, que aborda o amor sob uma ótica biológica e anatômica. Keleman nos mostra que o amor é um processo complexo, influenciado por nossas condições genéticas e moldado por interações constantes com os outros. Ele argumenta que nossa anatomia revela nossas predisposições emocionais, mas também reconhece que somos moldados pelas experiências e pelas expectativas sociais que nos cercam.
A Construção da Identidade Negra e o Amor
Mas é aqui que a análise crítica de Isildinha Baptista3 traz uma contribuição fundamental. Ao explorar as relações mãe-criança e as dinâmicas psíquicas do corpo negro, a autora revela como a construção da identidade negra está intrinsecamente ligada à relação mãe-criança, onde o discurso materno muitas vezes reflete e perpetua padrões de desvalorização da pele negra. A criança, ao se deparar com seu reflexo no espelho, confronta não apenas sua aparência, mas também as projeções e expectativas sociais e familiares que influenciam sua autoimagem. Esse confronto pode levar à despersonalização, um processo doloroso onde a própria identidade é questionada e fragmentada.
Onde os Negros Aprenderão a Amar?
Diante dessas reflexões, surge a pergunta crucial: onde os negros aprenderão a amar? A resposta não é simples, pois envolve um processo multifacetado de desconstrução e reconstrução das definições de amor. É necessário olharmos para além das definições pré-concebidas e nos engajarmos em uma ética amorosa que nos leve a uma mudança radical. Isso significa examinar criticamente nossas ações, reconhecer nossas falhas e estar dispostos a aprender e evoluir constantemente.
Uma Jornada de Autoconhecimento e Transformação
Através da perspectiva de Isildinha, entendemos a condição fragmentada na qual os negros constroem sua identidade: um corpo que não se reconhece no espelho e se sente indesejado, mesmo com o cuidado da mãe. bell hooks também destaca como as experiências passadas influenciam a maneira como adultos expressam amor, tomando como exemplo a negligência de sua mãe em lhe dar cuidado mas não dar amor devido à histórica falta de condições para famílias negras amarem na escravidão ─ ou serem, pelo menos, famílias. Com Stanley Keleman aprendemos os estágios do amor numa perspectiva biológica.
No entanto, percebemos que entramos em um ciclo vicioso? Historicamente aprendemos a ser disfuncionais no amor; psicologicamente, quebramos nossa visão de nós mesmos ao sermos avaliados pelos que amamos; neste sentido, biologicamente, não fomos expostos a todas as fases do amor plenamente. Então, onde aprenderemos a amar?
O estudo de Keleman nos concede uma pista de que, aquilo que bell hooks nomeia como atos de amor ─ os gestos de cuidado, respeito, intimidade e atenção ─ não nos revela nada sobre o que significa genuinamente essas coisas, nem tampouco como necessariamente funcionamos. Então o “cuidado”, “respeito” e “intimidade” são, de certa forma, categorias, títulos e atos que, por si só, não nos revelam nada ─ nem sobre o que significam e nem sobre nós.
Mas e então, para a população negra a experiência da “comunidade”/”coletivo” é suficiente para dar conta de aprender a amar? Ou estaremos perpetuando formas disfuncionais de amar inclusive dentro destes círculos? Será que é com base nas definições daqueles que historicamente nos violentam que aprenderemos o que todas essas coisas significam? E quem é que sabe amar?
Acredito que, por ora, a jornada para aprender a amar verdadeiramente como negros envolve um profundo processo de autoconhecimento, desconstrução de padrões sociais e uma abertura para novas formas de relacionamento e expressão afetiva. É um caminho desafiador, mas também repleto de oportunidades para um amor mais autêntico e consciente.
Referências:
- hooks, bell. In: Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Edição
padrão. São paulo: Editora Martins Fontes, 2013. ↩︎ - KELEMAN, Stanley. Amor e vínculos: uma visão somático-emocional. São Paulo:
Summus, 1996. ↩︎ - NOGUEIRA, Isildinha Baptista. A cor do Inconsciente: Significações do Corpo Negro. 1ª
ed. São Paulo: Perspectiva, 2021. 192 p. ↩︎