21.03.2024 Ícone da categoria

A verdadeira mãe do rock

Artista reverenciada por nomes como Elvis Presley, Johnny Cash, Jerry Lee Lewis e Carl Perkins, entre outros, nunca teve o reconhecimento merecido

A verdadeira mãe do rock

Verão de 1964. Sob a chuva, em uma velha estação ferroviária fora de uso na cidade de Manchester, Inglaterra, uma afro-americana de 49 anos,  extremamente íntima de sua guitarra elétrica apareceu na televisão britânica. Os telespectadores nunca tinham visto nada parecido.

Com seu estilo único e uma performance que entraria para a história, esta artista influenciaria profundamente o curso da música.

Os principais acadêmicos da música dizem que o show foi tão importante quanto o dos Sex Pistols, em 1976. 

Manchester já era a cena mais quente do blues e do jazz do país e já era famosa também por sua grande apreciação do Rythm and Blues.

Aquele show foi um momento tão esperado, que um microônibus veio de Londres, repleto de pessoas para assistir. Nele estavam Eric Clapton, Keith Richards e Brian Jones. 

Aquele espetáculo, naquela velha estação de trem abandonada — uma ideia do produtor da TV Granada, que o produziu — fazia parte da turnê Blues and Gospel, que havia estreado em 1963.

Na formação desta turnê, nomes como  Muddy Waters, Sonny Terry, Brownie McGheee, Otis Spann e o reverendo Gary Davis.

A estação de trem onde aquela mulher mostrava todo o seu talento, pretendia ecoar o sul dos Estados Unidos, com os músicos se apresentando na plataforma, enquanto o público os assistia do outro lado da ferrovia. 

Naquele dia, no entanto, uma tempestade atingiu a estação. 

O aguaceiro teria sido uma lembrança terrível do espetáculo se naquele momento não entrasse, na estação encharcada de chuva esta mulher, em sua impressionante performance, marco de uma carreira brilhante, e admirada pelos maiores músicos do mundo.


Esta é Sister Rosetta Tharpe, nascida próximo ao poderoso Rio Mississipi, em 20 de março de 1915, na cidade de Cotton Plant, no Arkansas, Estados Unidos.

Seus pais, Katie Bell Nubin e Willis Atkins, eram catadores de algodão. Alguns pesquisadores registram de Rosetta como sendo Rosether Atkins. Pouco se sabe sobre o pai da artista, exceto que ele era um cantor.

A mãe de Rosetta, Katia, também era uma cantora e tocadora de bandolim. Um pregadora da Igreja de Deus em Cristo, fundada em 1894 por Charles Harrison Mason, bispo pentecostal negro, que incentivava a expressão musical rítmica, com todo aquele espetáculo de dança e louvor, encorajando que as mulheres da Igreja dançassem e cantassem, neste movimento que as denominava como stomp down christian, por seu louvor efusivo que envolvia o bater de pés no piso de madeira durante o culto, acompanhando pelo bater de palmas, numa celebração bastante fervorosa da sua crença.

Da Casa de Deus para os clubes noturnos

Incentivada por sua mãe, Rosetta começou a cantar e tocar violão, passando a ser conhecida como Little Rosetta Nubin. Isso aos quatro anos de idade, deslumbrando a todos como um verdadeiro prodígio musical.

Foi neste momento, anunciada como um milagre de cantar e tocar violão, que Rosetta passou a acompanhar sua mãe em apresentações que eram parte sermão e parte concerto gospel, atraindo audiências em todo o sul dos Estados Unidos. 

Rosetta Tharp se tornou a grande atração do Roberts Temple, a Igreja Deus em Cristo, em Chicago, da qual ela e sua mãe faziam parte. Quando tinha por volta de 19 anos, foi convidada para se apresentar num lugar bastante prestigiado, o Harlem’s Cotton Club, um clube para um público branco e rico. As músicas, obviamente, não eram religiosas.

Naquele momento, Rosetta passa a ser bastante criticada pela igreja a qual pertencia, porque eles passaram a sentir que tinham perdido aquela fantástica cantora e guitarrista para o mundo. Um outro mundo.

Rosetta passava então a descobrir que amava a Deus, mas também amava os clubes noturno. 

Ela não deixou de cantar as músicas evangélicas durante o dia, e aqueles standards à noite, passando a fazer parte do show business, desafiando convenções e deixando de ser a ingênua menina de igreja.

Rosetta passou a ser procurada por todas as grandes bandas, e decidiu juntar-se à orquestra de jazz de Lucky Millinder.

Em outubro de 1938, aos 23 anos, Rosetta assinou contrato e gravou pela primeira vez, pela Decca Records.

Músicas que influenciaram astros brancos do rock

“Rock Me”, de sua autoria, foi uma das músicas que influenciou muitos cantores de rock, entre eles Elvis Presley, Little Richard e Jerry Lee Lewis.

Suas músicas se tornaram hits instantâneos — eram uma mistura de letras baseadas no evangelho com música considerada pagã. A gravadora queria capitalizar a novidade de um cantor gospel com um novo estilo atrevido. E isto, é claro, causou um grande choque entre os frequentadores da igreja, mas estabeleceu Rosetta como uma sensação da noite pro dia como e uma das primeiros artistas gospel de sucesso comercial. 

Aos 25 anos, Rosetta foi colocada entre os melhores músicos populares daquele momento. Ao lado de nomes como Duke Ellington e Cabe Calloway, tocando no Carnegie Hall, se estabelecendo em uma indústria extremamente masculina.

Nomes como Elvis Presley, Johnny Cash, Jerry Lee Lewis e Carl Perkins, entre outros, viram o talento de Sister Rosetta Tharpe e adaptaram seu som e sentimento, forjando e se apropriando, a ponto de serem eles considerados os criadores do rock and roll.

Bob Dylan a chamou de “mulher sublime e esplêndida, uma força poderosa da natureza.”

Rosetta Tharpe tocou rock muito antes de qualquer um. Antes de Chuck Berry, antes de Little Richard.

Esta mulher enchia estádios nos anos 40 e 50. Influenciou os jovens Keith Richards, Eric Clapton e tantos outros, que só depois de conhecê-la e beberem de sua fonte puderam criar a cena britânica do rock.

É isso o que nós deveríamos estar fazendo a cada vez em que falamos a expressão rock and roll: falar em seguida, a expressão: tudo por causa de Sister Rosetta Tharpe.