Há quem diga que o R&B brasileiro é o pagode dos anos 90, principalmente pela forma como, principalmente homens negros de periferia, artistas e músicos falam sobre seus medos, anseios e amores, mas ousamos discordar dessa análise. Assim como o RAP e o funk, o R&B é um gênero estadunidense que quando pisa em terras brasileiras, se adequa à realidade nacional e reflete como se entende emoções por aqui. Algumas coisas não mudam, mas outras recebem um tom próprio e sua própria ótica do que é amar, sofrer, superar e dizer ao mundo como a música muda a própria vida.
De Cassiano a Jovem Blues, o gênero vem ganhando força entre os ouvintes do país, contando em primeira pessoa o processo de autoestima, amor e autoamor que homens negros passam em silêncio mas, que com a música, ousa contar ao mundo seu passo-a-passo. Nascido em 1970 nos Estados Unidos, sua primeira nomenclatura foi Race Music, distinguindo músicas que eram feitas por pessoas brancas e por pessoas negras, em um momento onde a segregação racial na América do Norte estava em seu momento mais delicado, ao mesmo tempo, que atire a primeira pedra quem não acompanhou a ascensão do agora R&B nas telinhas, recheando o top 10 das músicas mais ouvidas em todo o país.
Se o pagode 90 abre um espaço para que o amor seja cantado e sentido em sua máxima, o R&B oferece um espaço de acolhimento e segurança para que os expoentes das quebradas brasileiras possam, além de tudo, se amar e se entender. Para além do caráter afetivo destinado a outras pessoas, o gênero te convida a amar a si próprio, seja pelas suas referências, letras e melodias. Em “Príncipe de SP” do Jovem Blues, o artista se abraça e te garante que está em sua melhor fase e que não tem medo de ir atrás do que quer, e sabe que pode te proporcionar um momento único, trazendo como mote principal sua própria autoestima e como ela se mantém enquanto um artista de quebrada.
O sentimento mais profundo que eu não conseguia falar com ninguém, eu conseguia colocar na música. Jovem Blues
Que a arte, a música e a cultura se tornam terrenos essenciais para que pessoas negras possam ser vulneráveis e reivindicar espaços e tratamentos para si próprios, sabemos desde que o samba nasce no Brasil enquanto uma extensão da musicalidade de terreiro, mas quando o R&B ascende no país, a vulnerabilidade, principalmente de homens negros, ganha uma maior notoriedade e maior visibilidade, chegando aos ouvidos de jovens da quebrada, causando maior representatividade para além da causa racial, mas também para o que aflingia e aflinge a subjetividade das pessoas desses espaços.
Dessa forma, o R&B cantado por Jovem Blues, revelação do R&B brasileiro e artista da Canguru Records, Yoún, Hodari, Luccas Carlos, te mostra a perspectiva do que é amar, sofrer e estar em constante processo de autoaceitação pelo próprio olhar, negando o que a sociedade como um todo implementa para o que são homens negros de periferia. Falar de amor, para o R&B é inseparável, principalmente seguindo as melodias que vão das mais lentas às mais aceleradas, se tornando uma das grandes marcas do gênero, sendo esse um dos motivos para a sua ascensão. Mas para além do amor, o que ele faz e o que traz quando não existe também embalam as melodias desses artistas, contando abertamente as mazelas de sentir na pele a desumanização ao mesmo tempo que se sente tanto.
Entre asfaltos, becos e vielas, o R&B abre o espaço seguro tão procurado por jovens negros falarem sobre o que sentem, serem quem querem, e ter as tão esperadas referências visuais e estéticas para se sentirem confortáveis com quem são, tendo a que te como espelho, mesmo que fossem referências estadunidenses. Assim, não, o R&B não é o nosso pagode 90, o R&B brasileiro existe desde a soul music e sua ascensão nos EUA, e hoje, sendo traduzido a realidade brasileira, pela sua juventude, e como os processos se mantém. O R&B é o espaço seguro que homens negros jovens encontraram para recusar o que a sociedade diz enquanto certo, criado por eles mesmos.
