Construindo um legado que transforma o mundo

Andreza Rocha aborda a importância do legado como reflexo de nossas ações, inspirada por figuras como Wole Soyinka, Nelson Mandela e Cheikh Anta Diop

Construindo um legado que transforma o mundo Foto: Diana Simumpande

Para criar o contexto dessa fala revisitei parte da minha trajetória de quase 21 anos atuando no ecossistema de tecnologia, além de momentos pessoais em que fui pavimentando essa história. Não fui sozinha, porque para falar sobre legado é importante buscar referências históricas. Trouxe Wole Soyinka, Cheikh Anta Diop, Nelson Mandela, Desmond Tutu e algumas outras.

Se “Legado é o reflexo contínuo das nossas ações, palavras e valores num espaço de tempo”, como traz Wole Soyinka (dramaturgo, romancista, poeta e ensaísta nigeriano, Prêmio Nobel de Literatura em 1986), o que as pessoas falam sobre nós quando não estamos na sala traz uma necessidade urgente de refletirmos e tomarmos consciência de que absolutamente tudo reverbera e repercute nos espaços que ocupamos. Assim se forma sua reputação.

Legado e reputação: o reflexo de nossas ações

Do conceito à prática da filosofia UBUNTU, traduzido por Nelson Mandela como: Respeito. Cortesia. Compartilhamento. Comunidade. Generosidade. Confiança. Desprendimento. Uma palavra pode ter muitos significados. Tudo isso é o espírito de Ubuntu. Ubuntu não significa que as pessoas não devam cuidar de si próprias. A questão é: você vai fazer isso de maneira a desenvolver a sua comunidade, permitindo que ela melhore? Qual sua contribuição quando chega? Especialmente, que marca deixa quando se retira?

A construção do legado de impacto não está somente atrelada à grandes feitos individuais, ao contrário de uma visão positivista de autossuficiência ou como a sociedade atual faz parecer. A frase de impacto e efeito mais conhecida sobre comunidade, que é o “Eu sou porque nós somos”, está sendo praticada no seu dia a dia? Se eu só posso ser pessoa através das outras pessoas, a sua entrega para o mundo está conectada a esse princípio coletivo? Quantas pessoas tem tido espaço quando você fala de “Nós”?

Em sua estreia na Casablack, Andreza Rocha aborda a importância do legado como reflexo de nossas ações, inspirada por figuras como Wole Soyinka, Nelson Mandela e Cheikh Anta Diop
Andreza Rocha reflete sobre a construção de um legado significativo, fundamentado em valores coletivos e ações cotidianas, inspirada em referências como Wole Soyinka, Nelson Mandela e Cheikh Anta Diop.

A ponte com o mundo do trabalho e seus desafios atuais e futuros como o envelhecimento populacional, problemas de saúde mental, gig economy, aumento da expectativa de vida, movimento VAT, quiet quitting e claro, a inteligência artificial, traz uma pergunta chave: Sua atuação profissional ajuda a promover o bem-estar, a inclusão e o crescimento pessoal e profissional de alguém? No boom da famigerada “ocupação de espaço” no âmbito corporativo vivido nos últimos anos (e já em declínio, como sabemos) quantas vezes você puxou alguém de verdade, com entendimento de que era o certo a fazer, sem imprimir a mesma lógica excludente que o mercado já impunha? Refletindo bem, talvez até com um sentimento melancólico, você vai se lembrar de alguma situação em que preferiu se manter único naquele lugar. Entrou, bateu a porta e fechou as janelas.

O legado na vida cotidiana e sua conexão com a coletividade

O grande legado que construímos não é o conceito do dicionário. Não é somente aquilo que é deixado por alguém após sua morte, seja material ou imaterial. A herança moral, cultural ou histórica são ainda mais relevantes quando trazemos tudo isso à nossa vida privada. Como você tem tratado sua família, seus vizinhos, as pessoas com os quais você interage no cotidiano? Como anda sua participação cidadã na construção de uma sociedade mais justa e equânime? Quando assume um papel ou responsabilidade, o que se passa de uma geração a outra, que se transmite à posteridade é também íntimo e pessoal.

Há uma infinidade de ações, condutas e posturas que refletidas na vida cotidiana, traduzem de forma prática o que compartilho. Da escolha de um candidato ao pleito e avaliação do plano de trabalho. Da decisão de compra de produtos e serviços vindos de um afroempreendedor. Do olhar empático aos trabalhadores que prestam os serviços que usamos. Nas portas que abrimos e deixamos abertas para que outros como nós também passem. Acreditemos ou não, está tudo conectado. É sobre isso que as pessoas vão falar.



Cheikh Anta Diop, polímata senegalês que estudou as origens da raça humana e a cultura africana pré-colonial, provando que o antigo Egito (Kemet) era uma civilização africana, negra (portanto, origem de toda civilização humana), disse que a essência da humanidade reside na coletividade, na capacidade de se ver no outro.

Minha reflexão geral sobre isso é que talvez o legado que importa é estar em casa tratando bem sua família. É o sorriso no rosto de um filho comemorando um gol do seu time. Aprender a andar de bicicleta. Superar um exercício de matemática. Conseguir passar na entrevista de emprego. Manter-se bem cuidando da saúde física em mental. O legado que importa é construído HOJE, no cotidiano.

Sinto que a cada momento e oportunidade de fala, dou mais um passo na construção do meu legado, esperando que ao falarem de mim quando eu não estiver na sala, seja que honrei o tempo das pessoas.

Finalizo citando novamente Soyinka, que diz que “o esforço por alguém gostar de nós nos faz desagradável”. Essa precisa ser uma experiência natural e verdadeira, fruto de nossas construções num espaço de tempo. Às vezes sem intenção, mas na maioria das vezes, procurar ser uma boa referência deve ser uma intencional.