Desejo, memória e a escrita de Annie Ernaux diante da morte

Em O uso da foto, Annie Ernaux e Marc Marie transformam roupas abandonadas após o sexo em ensaios de memória, desejo e ausência. Entre erotismo e doença, fotografia e literatura se fundem como prova de vida diante da morte.

Desejo, memória e a escrita de Annie Ernaux diante da morte

Em 2003, uma semana antes de começar um tratamento de câncer de mama, Annie Ernaux inicia um relacionamento com o fotógrafo e jornalista Marc Marie, então recém-divorciado. Numa atmosfera que mescla o medo da morte com um forte impulso de vida, os dois passam a fotografar suas roupas que foram abandonadas pelos cômodos da casa antes do sexo. Dessas belas imagens — publicadas coloridas nesta edição —, cada um se propõe a escrever um texto sobre memória, desejo, doença, o poder da fotografia, a Guerra do Iraque que acabava de eclodir, a Bélgica da infância de Marie, e várias outras reflexões que se alternam com surpreendente sinergia entre os autores.

Debruçando-se sobre as catorze fotografias feitas no decorrer daquele ano, Ernaux afirma que registrar tais vestígios de amor era como ter uma prova de que ainda estava viva. E diante da possibilidade da morte, ela passa a buscar uma forma literária que abarque toda sua biografia, a qual culminará em Os anos, sua obra magna escrita imediatamente depois deste O uso da foto. Diferente das descrições fotográficas dos outros livros da autora, feitas sobre retratos, aqui Annie e Marc partem da ausência. Porque, ainda que a inexistência de corpos remeta ao fim ocasionado pelo câncer, ela também potencializa o erotismo, sobretudo o daquele corpo que se transforma.  

Nessa espécie de diário do abandono ao prazer, cheio de intenção artística e reflexões originais sobre a fotografia, conhecemos uma fase decisiva da vida da vencedora do prêmio Nobel de literatura de 2022 e novas facetas do modo com que ela constrói seu projeto de escrita. “Não espero a vida me trazer temas, e sim organizações desconhecidas de escrita”, afirma Ernaux. Assim, em meio a meias-calças, sapatos, roupas íntimas e lençóis embolados, nos fascinamos com uma literatura capaz de apreender com agudez momentos tão fugidios.   

Sobre os autores:

Annie Ernaux nasceu em 1940, em Lillebonne, na França. Estudou na Universidade de Rouen e foi professora do Centre National d’Enseignement par Correspondance por mais de trinta anos. Seus livros são considerados clássicos modernos na França. Em 2022, Ernaux recebeu o prêmio Nobel de literatura pelo conjunto de sua obra.

Marc Marie (1962-2022) foi um fotógrafo e jornalista francês. Depois de estudar literatura moderna, dividiu seu tempo entre a escrita e o jornalismo freelance.



Destaques:

“É um gesto radical tratar o corpo doente, ameaçado pela morte, como um corpo que também é capaz de realizar o mais generativo dos atos: a relação sexual. Ao fazer isso, Ernaux assume o controle e dá vida à narrativa da doença e da morte.” — Rhian Sasseen, The Atlantic

“[O uso da foto é] uma reflexão profunda sobre esta mídia que vem dominando nossas vidas cada vez mais, ainda que lutemos para nos livrar dela. É também um testamento da força disruptiva do desejo e do poder das imagens como sentinelas contra a doença, a perda e a morte.” — Leslie Camhi, The New York Times

“Leitura obrigatória para os amantes de palavras, imagens e da própria Ernaux. Ou seja, para todo mundo?!” — Jessie Gaynor, LitHub

“Annie Ernaux há muito tem priorizado sensações físicas e emocionais como os blocos de construção de sua escrita autobiográfica. No entanto, é em O uso da foto que a conexão entre o corpo e a subjetividade emerge com mais poder.” — Lisa Connell, French Forum.

Ficha Técnica:

  • Título: O uso da foto
  • Título original: L’usage de la photo
  • Autores: Annie Ernaux e Marc Marie
  • Tradução: Mariana Delfini
  • Capa: Bloco Gráfico
  • Formato: 13,5 x 20 cm
  • Número de páginas: 144 pp
  • ISBN: 978-65-6000-139-8
  • ISBN e-book: 978-65-6000-140-4
  • Preço: R$ 69,90 (e-book R$ 48,90)
  • Data de livraria: 23/09/2025
  • Editora: Fósforo