Quais são os 5 livros contemporâneos de autores negros que você precisa ler agora?
Filhos de Sangue e Outras Histórias, Octavia E. Butler
Octavia E. Butler que, além de ser uma pioneira no afrofuturismo, é um dos maiores nomes da ficção científica. A Octavia E. Butler é uma escritora norte-americana que nasceu em 1947 e faleceu em 2006.
E todos os grandes nomes consagrados do estilo hoje, consideram Octavia como A Grande Dama da Ficção Científica. Não importa que uma tia tenha dito a ela: “Queridinha, negros não podem ser escritores”.
Desde os anos 50 são dezenas de livros escritos e este “Filhos de Sangue e Outras Histórias” é uma incrível coletânea de contos e ensaios, nesta edição linda que é uma ótima introdução para quem quer começar no universo desta autora fantástica. São 7 contos e dois ensaios presentes neste livro e o destaque vai para o conto que dá título à coletânea: o conto “Filhos de Sangue” já ganhou os prêmios mais importantes da categoria, como o Hugo, Nebula e Locus, e ele mostra humanos vivendo em um planeta dominado por seres alienígenas.
E nesse ambiente, nesse contexto, os humanos são subjugados e são usados como hospedeiros pra a reprodução dos Tlics, que são estes seres. A grande questão aqui é que o processo de nascimento é extremamente doloroso e pode causar a morte dos humanos. E essa história é contada a partir do ponto de vista de um protagonista masculino que se prepara para engravidar de um Tlic. É um contexto obviaente de extremo conflito, em que humanos e Tlics dependem uns dos outros para sobreviver.
E este é só um exemplo de como Octavia E. Butler utiliza das possibilidades da ficção especulativa pra extrapolar a realidade e criar situações repletas de discussões relevantes sobre o nosso mundo.
No fundo do poço, Buchi Emecheta
Buchi Emecheta é uma escritora nigeriana baseada na Grã-Bretanha, que nasceu em 1944 e faleceu em 2017. Ela chamou a atenção dos leitores britânicos no início dos anos 1970, quando o periódico inglês New Statesman começou a trazer seus relatos sobre as angústias de uma jovem nigeriana em Londres.
A personagem Adah, que é evidente um alter-ego da autora, vivia em um apartamento sombrio, trabalhava em empregos braçais para sustentar seus filhos pequenos e o marido abusivo. Ela estudava à noite e resistia às críticas de uma sociedade racista. Uma história que, infelizmente, tem tudo a ver com a história da própria Buchi, que chegou a ter os originais de um romance queimados pelo seu marido abusivo.
E é a Adah, este alter-ego da Buchi, a protagonista deste baita livro que é “No Fundo do Poço”, no qual uma mulher nigeriana tem que criar e sustentar sozinha os cinco filhos, vivendo no subúrbio de Londres, em um lugar que ela chama de “o fundo do poço”. Tentando manter seu trabalho diário e suas aulas noturnas em busca de um diploma, ela se vê às voltas com o serviço de assistência social, que lhes classifica como “família-problema”
Quase nenhum outro romancista africano conseguiu sondar a mente feminina e exibir a personalidade feminina com tanta precisão quanto Cuchi emecheta. Em 1983, a prestigiosa revista Granta a listou entre os 20 melhores jovens romancistas britânicos, ao lado de estrelas em ascensão como Martin Amis, Ian McEwan e Salman Rushdie
A autora também eu seus outros romances, como, “Cidadão de segunda classe”, “As alegrias da maternidade”, deu voz a mulheres africanas que lutam para conciliar papéis tradicionais com as demandas da modernidade.
Sem Gentileza, Futhi Ntshingila
Este é o segundo livro da Futhi Intishinguila. Ele ele começa falando de um funeral. Mvelo, uma menina “jovem, mas que se sentia velha como um sapato gasto”, caminha sem esperança num país sob o regime do apartheid, depois de ver os benefícios sociais que ela e a mãe soropositiva tinham, serem suspensos. “Foi naquele dia, quando a bolsa de auxílio-doença da mãe foi suspensa, que Mvelo parou de pensar mais do que um dia por vez”.
Futhi Intishinguila nasceu em 1974, em Pietermaritzburg, capital e segunda maior cidade da província de KwaZulu-Natal, na África do Sul. Uma cidade com 70% da população composta por negros, sendo 57% de etnia zulu, a qual Futhi pertence. Durante 20 anos da sua vida, a única realidade que a escritora conheceu foi a do regime de segregação racial que ditou a vida em seu país por mais de três décadas. Hoje, ela é formada em Teologia e Inglês, mestre em Resolução de Conflitos, jornalista de profissão, e autora também de “Shameless”, livro que lançou em 2008.
Este livro, Sem Gentileza, que a maravilhosa Editora Dublinense traz pro Brasil, e que é a primeira obra da autora traduzida para uma língua estrangeira, ele conta várias histórias, sempre com Mvelo, esta menina, no centro delas. A gente tem aqui uma comunidade sul-africana lutando contra o HIV e as suas repercussões. Embora o livro tenha uma estrutura narrativa complexa, a simplicidade da linguagem empregada consegue nos envolver facilmente nos valores centrais deste romance, que são o amor, a família e a amizade.
No livro, a personagem Zola é uma mãe solteira de 31 anos, que cria sua filha de 14 anos, a Mvelo. E a luta diária para encontrar comida e dinheiro suficiente para sobreviver levou Mvelo a perder o seu entusiasmo por cantar, porque então a sua vida passa ser ajudar a cuidar da sua mãe, que está doente. E o leitor é informado desde o início que Zola toma antiretrovirais regularmente e é conhecida em sua comunidade como ‘aquela que está doente com três letras’. E as três letras são HIV, e a discussão sobre isso é explorada por uma lente bastante pessoal, à medida que o leitor vai serndo apresentado a uma gama de personagens afetados também pela doença e que possuem abordagens diferentes em relação à maneira como digerem e como expressam o assunto.
“Sem Gentileza” é um romance fundamental sobre histórias de mulheres negras e sobre as periferias esquecidas de grandes cidades sul-africanas. Não à toa, Futhi passou a ser reconhecida como uma das vozes da sua geração. Uma geração de pessoas que conheceram a indiferença e o racismo, a segregação e a libertação de Nelson Mandela, e a realidade não tão diferente do que era quando negros e brancos não podiam se misturar, em um país que ainda fecha espaço a mulheres e registra 55 mil estupros por ano.
O Alegre Canto da Perdiz, Paulina Chiziane
A Paulina Chiziane nasceu em 55, em Manjacaze, província de Gaza, no Sul de Moçambique. E foi a primeira mulher, em Moçambique, a publicar um romance, o “Balada de Amor ao Vento”, em 1990, e a sua escrita gerou algumas discussões polêmicas sobre questões sociais, como a prática da poligamia no país.
E este livro, “O Alegre Canto da Perdiz”. A Paulina tem algo que nos remete à escrita de Toni Morrison, em “O Olho mais azul”. Uma prosa que se assemelha muito à poesia. São períodos muito curtos. Frases precisas e muito curtas, isto misturado a um tom de oralidade que vai muito ao encontro do fato de Pauline não gostar de ser definida como uma romancista. Ela diz que conta histórias. Algumas mais curtas, outras mais longas e pronto.
O contexto de O Alegre Canto da Perdiz é a colonização de Moçambique, especificamente a província Zambézia que, de certa maneira, é também um personagem do livro. O espaço geográfico ele é muito importante: o porto, as ruas, o rio, as montanhas, tudo isso marca o movimento dos personagens e influencia também na construção das suas personalidades.
Normalmente, quando lemos sobre a colonização dos países africanos, geralmente encontramos uma visão de fora da África, a do colonizador. E Paulina Chiziane generosamente nos oferece seu olhar sobre esse processo no seu país, nos dando uma representaçãomuito importante da sua realidade social, pra contar a história que gira em torno de quatro mulheres: Serafina, Delfina, Maria das Dores e Maria Jacinta.
O livro se inicia com Maria das Dores perdida, andando pela rua, nua, pro incômodo e raiva dos moradores locais. Aos poucos a gente vai conhecendo sua história, que para ser contada, volta à história de sua mãe Delfina, da sua avó Serafina e da sua irmã, Maria das Dores. Volta também à história de seu pai, José, antes escravizado, depois assimilado do sistema e dos seus filhos perdidos. E a maternidade também é uma grande questão nesse livro, repleto de dores separam e unem todos esses personagens.
Seja Homem: a Masculinidade Desmascarada, JJ Bola
O que é ser um homem, afinal de contas? O que sobra de nós se nos desconectarmos do mito da virilidade? Esta é uma pergunta chave que o Emicida, que assina o prefácio deste livro, traz.
E, com isso, dá pra ter uma ideia bem clara de qual é o foco de Seja Homem, livro do congolês JJ Bola.
O JJ Bola é escritor, professor e educador e ele expõe a masculinidade como uma performance para a qual os homens são socialmente condicionados. Isso envolve desmascarar diversos mitos, como o de que garotos não choram, não devem demonstrar fraqueza… Este livro é fundamental neste processo de busca real por igualdade de gênero e da necessidade de redefinição do que é masculinidade.
Nós vemos diariamente exemplos de como as ideologias são desenhadas diretamente a partir de uma visão dominante de uma ideia e de papéis de masculinidade.
E neste livro, Bola tenta delinear como os papéis de gênero com que nós, homens somos criados na sociedade ocidental estão falhando, não apenas para as mulheres, mas também para nós, os homens. O autor aqui usa o livro para falar diretamente, principalmente com os jovens, que estão aceitando a sua posição de homens emergindo na sociedade adulta. É um chamado para que estes homens reconheçam os desafios que eles podem enfrentar, mas também para exigir que eles se tornem responsáveis por como eles lidam com sua masculinidade. É fundamental este chamado à responsabilidade que JJ Bola faz. É lógico que um livro não é um manual de vida, mas Bola faz o seu papel ao ter dar aos homens leitores um conjunto de ferramentas pra vivermos bem como homens, mas sem que isso seja às custas das mulheres.
Este livro aqui deve ser recebido como um esforço sincero de fazer os homens falarem uns com os outros sobre suas experiências de patriarcado e de masculinidade. Se fala a importâncai do desmantelamento do patriarcado. E se isto acontecer, e se está acontecendo, pelo menos metade do trabalho deve vir de nós mesmos, homens interrogando nossas posições, mudando nossas atitudes e nos responsabilizando uns aos outros.