O mercado corporativo brasileiro ainda reflete as desigualdades estruturais que permeiam a sociedade. Para mulheres negras, esse cenário traz desafios que vão desde a falta de representatividade até a necessidade de quebrar estereótipos arraigados. É nesse contexto que surge Quebrando os Limites: Mulheres Negras e o Programa de Aceleração de Carreiras, um livro que transcende o simples registro de histórias para se tornar uma ferramenta de transformação social.
Organizado por Eliane L. Alcantara, CEO e Fundadora da Uzoma Diversidade e Elizabete L. Scheibmayr, Diretora Executiva e Fundadora da Uzoma Diversidade, a obra reúne relatos emocionantes e análises aprofundadas que revelam o impacto do Programa de Aceleração de Carreiras, promovido pelo Comitê de Igualdade do Grupo Mulheres do Brasil. Em 14 edições, o programa impactou diretamente mais de 1500 mulheres, conectando-as a sua ancestralidade, fortalecendo o autoconhecimento e promovendo estratégias eficazes para a ascensão profissional.
“O programa não só transformou vidas, como abriu portas que pareciam inatingíveis”, explicam as organizadoras. Em meio às histórias de resiliência, o livro também oferece uma reflexão sobre como políticas públicas, apoio institucional e mentoria podem impulsionar mudanças concretas no mercado.
Entre as vozes que compõem o livro está a de Jussara Alves, especialista em controladoria, uma profissional que, ao longo de sua trajetória na área, enfrentou desafios impostos por um setor tradicionalmente dominado por homens brancos. “Minha história reflete a importância da inclusão, que não só enriquece os ambientes corporativos, mas também amplia as possibilidades de inovação e justiça social”, comenta.
Entrevista com as organizadoras do livro: Eliane L. Alcantara e Elizabete L. Scheibmayr
Como surgiu a ideia de criar o livro Quebrando os Limites e de que forma o Programa de Aceleração de Carreiras do Comitê de Igualdade influenciou essa obra?
Depois de 14 edições, impactando mais de 1500 mulheres, entendemos que seria o momento de contarmos um pouco a história de transformação das mulheres pretas e pardas que passaram pelo programa.
Quais foram os maiores desafios enfrentados pelas mulheres negras participantes do programa, e como esses desafios são refletidos nos relatos presentes no livro?
Os principais desafios para mulheres negras que querem ocupar cargos de liderança em organizações privadas e públicas são o entendimento do mundo corporativo, perceber que sua ancestralidade é uma grande fortaleza e como construir um plano de carreira estratégico para ocupar esses lugares.
Vocês mencionam o impacto transformador do programa. Na prática, quais mudanças vocês observaram na trajetória profissional das mulheres que participaram da iniciativa?
O fortalecimento pelo autoconhecimento e sua ancestralidade, a construção de networking, a mentoria como sendo uma estratégia importante para construção de carreira.
Como vocês avaliam o papel da mentoria e do apoio institucional para a promoção da diversidade e inclusão no ambiente corporativo?
A mentoria é fundamental, pois colabora para entender seus pontos fortes e os pontos que necessitam ser desenvolvidos para ocuparem lugares de liderança.
O livro também discute políticas públicas. Que tipos de políticas públicas são necessárias para ampliar o impacto de programas como o da Aceleradora de Carreiras na vida das mulheres negras?
No livro não há um capítulo dedicado a políticas públicas, mas é fundamental políticas públicas que tragam diretrizes sobre cotas em cargos de liderança, conselhos de administração nas organizações e incentivos fiscais para as empresas que promovem programas de aceleração de carreiras.
Vocês relatam histórias de resiliência e superação. Quais momentos mais emocionantes ou transformadores vocês destacariam entre as experiências compartilhadas no livro?
São diversas histórias de resiliência e superação, mas destacamos quando percebemos uma virada de chave no sentido de se perceber quem são, seu potencial e onde podem chegar. Temos histórias de mulheres que estavam há anos em cargo de analistas e conseguiram chegar a cargos de coordenadoras, gerentes e hoje são mentoras do programa, contribuindo com o crescimento de outras mulheres.
Em um cenário onde as mulheres negras enfrentam obstáculos estruturais, que tipo de apoio concreto, além dos programas de aceleração, vocês acreditam que seria necessário para quebrar esses limites de maneira mais eficaz?
Acreditamos em mentorias e fortalecimento de redes de relacionamentos (network) para quebra desses limites.
O livro é direcionado para mulheres em diferentes estágios de carreira. Que conselhos vocês ofereceriam para mulheres negras jovens que estão começando sua trajetória profissional e para aquelas que já estão cansadas das “regras antigas”?
Temos também um programa chamado Impulsionadora de Carreiras, para jovens que estão no início de sua trajetória profissional. Mas, se fossemos dar um conselho, seria: autoconhecimento, fortalecimento de sua ancestralidade (usando sua história como força impulsora), networking, construção de plano de carreira e mentoria. Outro fator importante é o fortalecimento com a história de outras mulheres negras.
Em termos de legado, o que vocês esperam que Quebrando os Limites traga para o debate sobre diversidade e inclusão nas empresas brasileiras e no ambiente de negócios de forma mais ampla?
Esse debate sobre diversidade e inclusão nas organizações não se encerra, pois estamos ocupando espaços importantes e com isso inspirando e trazendo outras. Estamos deixando um legado importante e uma trajetória mais fácil para as mulheres que estão vindo depois de nós, e esperamos que nossas histórias mostrem que é possível, e que o caminho não precisa ser marcado por dor e sofrimento.
Entrevista com Jussara Alves, autora.
Como sua experiência profissional na área de controladoria, que tradicionalmente é dominada por homens brancos, influenciou sua perspectiva ao contribuir para Quebrando os Limites?
Desde o início da minha carreira, percebi que este campo é, de fato, dominado por homens brancos, o que me fez refletir sobre a importância da diversidade e inclusão, ponto que sempre me motivou a buscar não apenas o meu crescimento profissional, mas também a contribuir para um ambiente mais equitativo, sendo e promovendo a diferença por igualdade. Ao longo dos anos, enfrentei desafios que me ensinaram a importância de trazer diferentes perspectivas para a mesa. Minha experiência me fez perceber que, ao quebrar os limites impostos por estereótipos e preconceitos, podemos criar um espaço onde todos se sintam valorizados e ouvidos. Contribuir para a iniciativa Quebrando os Limites é uma extensão natural dessa visão. Acredito que, ao compartilhar minha história e apoiar outras vozes, podemos juntos transformar a controladoria em um campo mais inclusivo e representativo.
De que forma o Programa de Aceleração de Carreiras impactou sua trajetória pessoal e profissional, e quais lições desse programa você considera essenciais para outras mulheres negras em carreiras corporativas?
O Programa de Aceleração de Carreiras do Grupo Mulheres do Brasil, uma iniciativa das irmãs Bete e Eliane, teve um impacto significativo na minha trajetória, proporcionando não apenas habilidades práticas, mas também uma rede de apoio valiosa. Nunca imaginei um dia me conectar com tantas mulheres potentes que me fizeram enxergar além, ressignificando muita coisa em minha vida. Aprendi a importância da autoconfiança e da resiliência, além de estratégias para navegar em ambientes corporativos desafiadores. Para outras mulheres negras, destaco a importância de buscar mentoria, valorizar suas conquistas e nunca hesitar em ocupar espaços de liderança. Essas lições são essenciais para construir uma carreira sólida e inspiradora.
O ambiente de controladoria exige muita precisão e análise crítica. Como você vê a intersecção dessas habilidades técnicas com o tema da diversidade e inclusão discutido no livro?
Ao longo de mais de 25 anos transitando pelas áreas de Controladoria e Finanças, na minha percepção, a intersecção entre habilidades técnicas, como precisão e análise crítica, e o tema da diversidade e inclusão é fundamental, pois termos diversidade é sinônimo de criatividade que traz diferentes perspectivas e experiências, o que enriquece a análise crítica e a tomada de decisões. Quando equipes diversas colaboram, elas são mais propensas a identificar nuances e detalhes que podem passar despercebidos em um ambiente homogêneo. Assim, a inclusão não apenas promove um ambiente mais justo, mas também aprimora a qualidade das análises e resultados na controladoria.
Quais foram as barreiras mais desafiadoras que você enfrentou ao longo da sua carreira e como o apoio institucional, como o programa da Aceleradora de Carreiras, ajudou a superá-las?
Como mulher negra e a primeira da minha família a cursar uma universidade, enfrentei diversas barreiras, como preconceito e a falta de recursos. Vi na educação a chave para a transformação, mas o caminho não foi fácil. Ser forte e corajosa, ensinamento dado pelos meus pais, foi fundamental para enfrentar os percalços encontrados pelo caminho, e as pessoas que viram em mim o “brilho no olhar”, acreditando no meu potencial, abriram portas e geraram oportunidades. O apoio institucional também contribuiu de maneira significativa na minha jornada, especialmente o programa da Aceleradora de Carreiras, que conectou-me com a minha ancestralidade, o que foi fundamental. Ele também me proporcionou mentoria, networking e oportunidades que me ajudaram a reafirmar a segurança no meu potencial e seguir na construção do meu propósito. Esse suporte fez toda a diferença na minha trajetória.
Pensando nas políticas públicas que o livro aborda, como você acredita que a implementação de medidas voltadas para a equidade racial pode transformar áreas como a sua, dentro do setor hospitalar, e quais avanços ainda precisam ser feitos?
Trazendo para minha realidade, esse é um questionamento que faço ao RH da empresa, especialmente por não conseguir enxergar profissionais negros como C-Level. Isso é uma realidade no nicho de empresas hospitalares. Sob o meu ponto de vista, a implementação de medidas voltadas para a equidade racial no setor hospitalar pode transformar significativamente a representatividade e a diversidade em cargos de gestão. Acredito que políticas públicas que promovam a inclusão de profissionais negros, como programas de mentoria, capacitação e recrutamento direcionado, são essenciais para criar um ambiente mais justo. Além disso, é fundamental que haja um compromisso contínuo das instituições em monitorar e avaliar essas iniciativas. Avanços ainda necessários incluem a conscientização sobre preconceitos estruturais, a promoção de uma cultura organizacional inclusiva e a criação de redes de apoio para profissionais negros, garantindo que tenham as mesmas oportunidades de crescimento e liderança. Somos 55% da população deste país e temos apenas 5% de profissionais negros sentando nas cadeiras de grandes lideranças nas 500 maiores empresas. Então, essa é uma conta que não fecha, e não faz sentido não fechar, pois se o que precisamos ter é a qualificação, nós temos. O que ainda falta? Digo-lhe que são as oportunidades.
Quebrando os limites: mulheres negras e os programas de aceleração de carreira (Provérbios Editora)
Organizadoras: Eliane Leite Alcantara e Elizabete Leite Schebmayr
Autoras: Andreia Marchand, Camila Quinto, Evellyn Cristine, Fabiane Costa, Nanda Rosa, Fernanda Vales, Fernanda Gonzaga, Flávia Mildres, Germana Pinheiro, Gleice Diniz, Iza Reis, Jamille Francisco, Jandaraci Araújo, Joana Rueda, Josiane Saraiva, Jussara Alves, Kamila Santos, Karoline Pimenta, Laís Almeida, Luciana Morais, Malu, Mayra Castro, Natalia Barbosa, Regiane Silveira, Sol Feliciano, Taciana Guedes, Vanessa Pimentel, Viviane Tomaz e Sonia Sousa