O Festac 77 foi um festival idealizado para celebrar e exibir ao mundo a força da cultura africana e afrodescendente. Ao longo de quatro semanas (de 15 de janeiro a 12 de fevereiro de 1977), expoentes negros da música, das artes plásticas, da dança e do teatro se apresentaram em Lagos, na Nigéria. O coração do festival era, no entanto, o colóquio que reuniria centenas de intelectuais de todas as partes do mundo e que, como não poderia ser diferente em plena era da independência das antigas colônias africanas, abordaria o legado da colonização e a situação dos afrodescendentes no mundo, com forte participação dos Estados Unidos e do Brasil, onde se encontravam (e ainda se encontram) as maiores comunidades negras fora da África.
Mas o Brasil vivia uma ditadura já de treze anos, com toda sorte de violações dos direitos humanos, censura e impedimentos de manifestações, milhares de cidadãos exilados e onde um indivíduo poderia ser preso apenas por não estar com seu documento de identidade (principalmente se fosse negro ou pardo) e que propagava as ideias do “milagre econômico”, da “ordem e progresso” e da “democracia racial”. O paraíso tropical na Terra.
Não é de surpreender, portanto, que a comitiva brasileira (a “gangue dos seis”, como a chamou Abdias) não contasse com nenhum pesquisador que contestasse o status quo. Quando Abdias Nascimento, ativista, homem de teatro (criador do Teatro Experimental do Negro) e professor da Universidade do Estado de Nova York, decidiu participar do colóquio, o governo brasileiro declarou-lhe guerra.
Sitiado em Lagos é o registro dessa guerra. Abdias Nascimento não apenas denuncia o cerceamento que lhe é imposto, como expõe a pressão diplomática e as calúnias de que o Itamaraty faz uso junto às autoridades e à imprensa nigerianos visando impedir que ele participasse do colóquio e denunciasse o que acontecia no Brasil, em particular a violência contra sua população negra, vítima do insidioso racismo do país.
Sobre o autor
Abdias Nascimento foi escritor, professor, artista plástico e político. Criou em 1944 o Teatro Experimental do Negro – TEN, entidade que rompeu a barreira racial no teatro brasileiro. Como ativista, publicou o jornal Quilombo, além de organizar eventos seminais como o I Congresso do Negro Brasileiro (1950). Após fundar, em 1968, o Museu de Arte Negra, lecionou nas universidades Yale, Wesleyan, Temple, na Universidade do Estado de Nova York (EUA, de onde foi professor emérito) e na Universidade de Ifé (Nigéria). Participou de importantes congressos e encontros do mundo africano, levando ao âmbito internacional a, então inédita, denúncia do racismo no Brasil. Após o exílio decorrente da ditadura militar, entrou para a política e se elegeu deputado federal (1983-1986) e senador (1991; 1997-1999) pelo PDT. Já nas artes plásticas, realizou exposições individuais no Palácio de Cultura Gustavo Capanema (1988), no Salão Negro do Congresso Nacional (1997) e na Galeria Debret (Paris, 1998).
É autor, entre outros, de Sortilégio (1959/1979, com reedição em 2022 pela Perspectiva), Dramas Para Negros e Prólogo Para Brancos (1961), O Negro Revoltado (1968/1982), O Genocídio do Negro Brasileiro (1978, com reedição em 2016 pela Perspectiva), Sitiado em Lagos (1981), Axés do Sangue e da Esperança (1983), Orixás: Os Deuses Vivos da África (1995), e O Brasil na Mira do Pan-Africanismo (2002). O Quilombismo: Documentos de Uma Militância Pan-Africanista (2002, Perspectiva, 2019).
Trecho:
O que quero reafirmar é que a experiência de um negro não se restringe a uma dimensão de pura subjetividade intransitiva. Muito pelo contrário, a experiência pessoal do negro registra-se como um fenômeno sociocultural que abrange a inteira coletividade oprimida, vítima de diversas destituições de elementos básicos à sua sobrevivência como povo. São essas algumas das razões que me decidiram a fazer este depoimento. Acredito que o conhecimento dos pormenores desse meu sítio em Lagos sirva para alertar os afro-brasileiros engajados na luta libertária comum para as armadilhas do racismo institucional, estendidas sigilosa e hipocritamente no caminho de todos nós, os que não nos submetemos aos seus ditames. E, por acréscimo, uma filosofia progressista para a sociedade brasileira só pode se beneficiar com a exposição e a crítica pública dos cânceres “confidenciais” que lhe corroem subterraneamente o organismo. Temos de indicar tais tumores malignos ao bisturi cirúrgico dos verdadeiros democratas de qualquer cor epidérmica. Mas a responsabilidade histórica e imediata de esmagar o racismo em nosso país cabe, primariamente, à população afro-brasileira: essa é a vítima, tem sido a presa do supremacismo eurocentrista por tempo demasiadamente longo.
Ficha Técnica
Título: Sitiado em Lagos – Autodefesa de um Negro Acossado Pelo Racismo
Autor: Abdias Nascimento
Apresentação: Elisa Larkin Nascimento
Prefácio à nova edição: Molefi Kete Asante
Prefácio: Dom José Maria Pires
Posfácio: Carlos Moore
Acabamento: brochura
Tamanho: 14 x 19 cm
Número de páginas: 144 pp
ISBN: 978-65-5505-187-2
ISBN e-book: 978-65-5505-188-9
Preço: R$ 49,90 (e-bookR$ 34,90)
Data de livraria: 17/05
Editora: Perspectiva