A influência da representação na infância é um dos pilares para a construção de uma autoestima forte e positiva. E é com essa missão que Maíra Azevedo, mais conhecida como Tia Má, estreia na literatura infantil com A Menina Que Não Sabia Que Era Bonita, publicado pela editora Malê. Inspirado em sua própria história e na de sua filha, o livro busca ser um espelho para meninas negras que muitas vezes têm sua beleza negada pela sociedade.
Maíra revela que a ideia para o livro surgiu a partir da maternidade e do contraste entre sua infância e a de sua filha. “Quando vi minha filha falar que não tinha dúvida da beleza dela, me fez revisitar minha infância e lembrar do tempo que eu demorei para reconhecer a minha beleza”, explica. O processo criativo foi um mergulho em memórias, tanto boas quanto desafiadoras.
“Foi um momento de reconciliação comigo mesma. Fui olhando fotos, lembrando de coisas que eu queria esquecer, mas que foram fundamentais para eu entender que não me achava bonita não porque não fosse, mas porque não me afirmavam isso”, compartilha.
A construção da autoestima negra
Para Maíra, a demora no reconhecimento da própria beleza foi um reflexo de um cenário midiático que reforçava padrões brancos de beleza. “Nos anos 80, onde a gente tinha as apresentadoras de programas infantis, todas brancas, todas loiras, então isso foi muito mexendo com o nosso imaginário, que a beleza ficava nesse lugar. É na década de 90, mesmo no final dos anos 90, início dos anos 2000, que eu vou me sentindo mais bonita, porque quando começa a aparecer, inclusive, mais pessoas pretas em espaço de protagonismo.”.
A representatividade foi crucial nesse processo. “Ver Isabel Fillardis, Taís Araújo, o espetáculo Cabaré da Raça do Bando de Teatro Olodum… Tudo isso foi essencial para que eu me entendesse como bonita”, destaca.
O impacto das narrativas infantis
O livro não se propõe apenas a inspirar crianças, mas também a resgatar a autoestima de mulheres adultas. “Mesmo sendo um livro infantil, muitas mulheres vão ler e se reconhecer. Talvez consigam abraçar suas crianças interiores e se olhar com mais afeto”, reflete Maíra.
Ela enfatiza a importância de reafirmar a diversidade da beleza negra. “Nossas belezas são diversas, e a gente não pode ter dúvida disso”.
Maíra convidou duas mulheres com papéis importantes em sua vida para escrever o prefácio: Ivete Sangalo e Taís Araújo.
“Escolhi duas mulheres que admiro como mães e como seres humanos. Taís, por ser referência de beleza para mim e por criar duas crianças pretas que nunca tiveram sua negritude questionada. E Ivete, por ser mãe de crianças brancas, porque o debate sobre identidade e autoestima negra não deve ser só de pessoas pretas, mas de todas as pessoas comprometidas com essa luta.”
Com essa estreia na literatura infantil, Maíra Azevedo reforça a importância de narrativas que validam a identidade e a autoestima de meninas negras, contribuindo para um futuro onde a beleza não seja um segredo a ser descoberto, mas uma verdade reafirmada desde a infância.
Confira a entrevista exclusiva de Maíra Azevedo:
O que te motivou a transformar suas experiências pessoais e de sua filha em uma obra literária para crianças?
A maternidade faz a gente repensar o nosso lugar de existência no mundo. Quando eu vi minha filha falar que não tinha dúvida da beleza dela, fez eu revisitar a minha infância e lembrar do tempo que eu demorei para reconhecer a minha beleza. Então eu quis fazer esse encontro entre essas duas crianças, entre a Maíra que eu fui e a menina que minha filha é.
Como foi o processo criativo e emocional ao revisitar sua infância durante a escrita?
Foi um processo, inclusive, até tranquilo. Fui olhando minhas fotos e, na verdade, a minha filha, a criança que minha filha é, me fez prestar muita atenção na criança que eu fui, me desculpar de algumas coisas, me perdoar, mas também permitir que essa criança, que muitas vezes teve seus espaços negados, possa aflorar em mim. Então, foi um momento de reconciliação comigo mesma. Foi muito bacana esse processo criativo, porque eu voltava à minha infância, lembrei de coisas que eu queria esquecer, mas que foram fundamentais para eu entender que, às vezes, eu não me achava bonita não porque eu não fosse, mas porque ninguém me afirmava isso.
Você menciona que demorou a perceber sua própria beleza. Quais momentos ou pessoas foram decisivos nessa descoberta para você?
Eu acho que não foi só eu que demorei pra descobrir a minha beleza. Mulheres parecidas comigo, que tem a mesma faixa etária que eu, sofreram com esse processo de autoestima por conta, inclusive, de toda a pressão que acontecia nos anos 80, onde a gente tinha as apresentadoras de programas infantis, todas brancas, todas loiras, então isso foi muito mexendo com o nosso imaginário, que a beleza ficava nesse lugar. A vida adulta me colocou nesse espaço de olhar pra mim e ver mulheres parecidas comigo. Acho que esse momento onde o movimento negro brasileiro começou a lutar por mais representação, pela eliminação de estereótipos, foi mexendo comigo, né? É na década de 90, mesmo no final dos anos 90, início dos anos 2000, que eu vou me sentindo mais bonita, porque quando começa a aparecer, inclusive, mais pessoas pretas em espaço de protagonismo. Então, eu sofruto realmente dessa luta, né? Eu tenho essa consciência, que eu fui me entendendo bonita quando eu vejo no espetáculo Cabaret da Raça, do Bando de Chata-lodum, que vai falando sobre isso. Quando eu vou vendo mais pessoas pretos, quando eu vejo Isabel Filardes, quando eu vejo a Thais Araújo. Essas mulheres fizeram parte desse meu processo de reconhecimento da minha beleza.
Como você enxerga o impacto de obras como esta na construção da autoestima de crianças negras e na transformação da sociedade?
O impacto que essas horas têm na constituição de autoestima, eu acho que é exatamente fazer a gente se olhar com mais afeto. Mesmo sendo um livro infantil, eu tenho total consciência que muitas mulheres vão olhar, vão ler, vão se reconhecer e vão, talvez, abraçar suas crianças interiores. Para mim é muito importante que a gente não tenha dúvida de quem a gente é, das nossas belezas, e é importante falar isso no plural, porque nossas belezas são diversas e a gente não pode ter dúvida disso.
A escolha de Ivete Sangalo e Taís Araújo para o prefácio é muito significativa. Como foi o convite para elas e qual foi a importância de tê-las apoiando essa mensagem?
Pra mim foi muito importante escolher duas mulheres que eu tenho como referência e duas mulheres que eu admiro como mães, né? Pra mim era muito importante ter Thais, que tem dois filhos, um menino e uma menina, e são duas crianças pretas que não têm a sua negritude em dúvida em momento algum, e é importante que… E era uma mulher que inclusive eu tinha como referência de beleza, então pra mim é muito importante. E Ivete Sangalo, exatamente por ser mãe de crianças brancas, porque a gente precisa compreender que debater sobre a construção da identidade, debater sobre como o racismo perpassa na construção da autoestima das pessoas não deve ser algo feito apenas por pessoas pretas, mas sim de todas as pessoas que estão comprometidas. Então convidei duas mulheres que eu admiro como mães, como artistas e como seres humanos. Então pra mim ter elas duas foi um grande presente. Eu fiquei muito emocionada, inclusive, com o que as duas escreveram sobre o livro.