Desde a estreia, The Bear ganhou fama pelo realismo inquieto que colocava o espectador dentro de uma cozinha sob pressão permanente. No quarto ano o projeto visual se expande, às vezes até a saturação. A câmera aproxima o foco a centímetros da pele dos atores, desliza de um rosto a outro em swish pans velozes e prolonga diálogos já carregados de tensão. A intenção é clara: declarar, sem sutileza, que a série almeja o pedestal ocupado pelos grandes dramas contemporâneos.
Essa estratégia resulta em cenas de impacto inegável. Cada fôlego parece calculado para provocar reação física em quem assiste. O problema é que, levada ao extremo, a coreografia técnica começa a competir com o conteúdo dramático. Quando cada recurso de direção vira assinatura obrigatória, a surpresa se dilui e a forma passa a anunciar a própria presença antes mesmo de servir ao enredo.
Há momentos, contudo, em que a escolha funciona como lente de aumento legítima para o trauma que corre pelo elenco. O rosto de Jeremy Allen White captado em hiperclose revela fissuras que um plano médio não alcançaria. Do mesmo modo, os travellings circulares envolvendo Ayo Edebiri em suas crises de criação fornecem leitura clara da espiral mental da personagem. A série alcança o ápice justamente quando equilibra intensidade e introspecção, em vez de tentar vencer o espectador pelo cansaço.

Um drama disfarçado de comédia
A insistência das premiações em enquadrar The Bear como comédia já soava deslocada; agora beira o anacronismo. O novo ciclo abandona quase por completo qualquer tentativa leve para investir em esgotamento profissional, luto prolongado e culpa familiar. Há humor, mas ele surge mais como reflexo da exasperação coletiva do que como busca intencional pela gargalhada.
Quando tenta rir, o roteiro costuma recorrer ao mesmo truque: discussões frenéticas que beiram a histeria. São explosões verbais em altíssima velocidade, falas que se atropelam umas às outras num balé de ofensa e reconciliação instantânea. A graça pretendida não está em piadas delimitadas, mas no absurdo de ver adultos se lançando adjetivos, pedidos de desculpa e novos ataques numa cadência de tambor acelerado. Funciona à força de choque — o espectador ri, se ri, pela familiaridade do caos —, mas a repetição desse recurso reforça o cansaço que a temporada tenta criticar.
Neil, personagem de Matty Matheson, surge então como válvula de escape. Antes mascote periférico, ele encontra um ritmo capaz de aliviar a tensão sem negar o peso do drama. O riso chega quando a narrativa estica demais sua própria gravidade e precisa de um breve suspiro. Esse ajuste comprova quão falho é manter o guarda‑chuva “comédia” sobre um texto que opera, na prática, como drama psicológico.
Anti‑TV e o fantasma do prestígio
Críticos definem a quarta temporada como exercício “anti‑TV” porque ela recusa progressões narrativas clássicas. Os conflitos não se resolvem em linhas claras nem convergem para catarse unificadora. Em vez disso, sobrepõem‑se, expondo o desgaste de carreiras erguidas sobre a romantização do sofrimento. É o oposto do arco terapêutico rápido tão comum em séries que buscam confortar em vez de desconcertar.
Esse atrito com a convenção reforça a ambição de elevar The Bear ao status de obra‑referência. Ao mesmo tempo instala um risco: confundir densidade com grandiloquência. Quando monólogos se alongam além da medida ou a direção enfatiza cada gesto como momento decisivo, a experiência deixa de ser contundente para tornar‑se autoconsciente. A série acerta mais quando confia no subtexto do que quando sublinha cada nuance como se lembrasse o espectador, a todo instante, de que está assistindo a “televisão de prestígio”.
Nada disso compromete o talento do elenco principal. Jeremy Allen White, Ayo Edebiri e Ebon Moss‑Bachrach sustentam a temporada com atuações que capturam ambivalência e exaustão em doses quase dolorosas. São eles que impedem o excesso de forma de dominar por completo o sentimento. Ao final, The Bear entrega um ciclo que fascina tanto quanto exaspera, mais preocupado em expandir os limites do meio do que em agradar expectativas. O resultado é imperfeito, mas raro, e confirma que a série ainda tem fôlego para desafiar quem exige da TV mais do que conforto.