A pandemia de Covid-19 foi marcada por uma saudade: a dos shows e festivais. A possibilidade de se juntar a uma multidão de pessoas para ouvir música ao vivo foi freada entre 2020 e 2022, quando os eventos começaram a dar seus primeiros respiros. A previsão, na época, foi confirmada: o setor voltou ainda mais forte e superaquecido. Apenas em 2023, o Brasil teve 298 festivais em todas as regiões do país, de janeiro a dezembro, segundo a plataforma Mapa dos Festivais. Destes, 71 tiveram sua primeira edição.
Todos esses shows movimentaram os empregos no setor de eventos, cultura e entretenimento. Em outubro do ano passado, foram registradas mais de 4.200 novas vagas no setor, segundo estudo da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape). O turismo também agradece, sobretudo aos mega shows internacionais. No Rio de Janeiro, Madonna arrastou mais de 1,6 milhão de pessoas para a orla de Copacabana. Um público de todo o Brasil e da América Latina voou para o Rio para participar desse show histórico, o que acabou injetando mais de R$ 293 milhões na economia carioca. Em São Paulo, não foi diferente com a The Eras Tour, da Taylor Swift, que movimentou mais de R$ 240 milhões na economia do estado.
Como entregar boas experiências?
O show da Taylor Swift também serve para ilustrar um grande problema dos megaeventos: a infraestrutura de segurança e bem-estar dos participantes, tendo o caso de Ana Clara Benevides como exemplo. No dia da apresentação, os termômetros registraram cerca de 40°C. Não é uma temperatura incomum para o Rio de Janeiro, mas está cada dia mais presente em diversos estados do Brasil devido aos eventos climáticos intensos.
A jovem de 17 anos faleceu durante o show no Estádio Nilton Santos. O laudo detectou exaustão térmica por conta das altas temperaturas. Somente após a morte da fã, a prefeitura do Rio de Janeiro aumentou o número de brigadistas e pontos de distribuição de água no evento. Excesso de calor ou chuva podem atrapalhar severamente a qualidade de um show, colocando a vida das atrações e do público em risco. Por isso, um grande desafio do setor é a escolha adequada desses locais de show para suportar possíveis situações climáticas imprevistas.
De acordo com pesquisa do Seara, em parceria com a Opinion Box, 7 em cada 10 entrevistados afirmam que o maior valor já pago para assistir a um show foi de até R$ 300. Festivais e shows nacionais de grandes artistas como Caetano Veloso e Zeca Pagodinho custaram esse valor em média. Tendo em vista o crescente aumento de outros gastos na economia brasileira, como alimentação, moradia, saúde, entre outros, ao pagar esse valor, o público também espera ter uma experiência para além da atração artística, o que inclui um espaço de alimentação com opções variadas, banheiros confortáveis, espaços de descanso e brindes. Além disso, inovações em tecnologia e ativações com marcas podem dar um toque final e trazer mais autenticidade (e receita) para o show ou festival. Um bom crossbranding com marcas que dialogam com a identidade do festival auxilia na retenção da marca e na fidelização do público.
ESG para inspirar
Pela primeira vez desde que a estratégia do ESG (Environmental, Social and Governance) nasceu, na década de 2010, há mais investidores americanos abandonando fundos negociados em bolsas relacionados ao meio ambiente do que comprando. Apesar de uma onda de abandono dos fundos ESG pelas empresas, o conceito é de grande valia e pode ser aplicado para o sucesso dos festivais e shows.
O “S” de “Social” dessa sigla é ainda mais fundamental. A parte social inclui práticas de inclusão e diversidade, que precisam ser pensadas desde as atrações. É indiscutível que Madonna e Taylor Swift sejam gigantes da música, mas onde estão os negros nos mega eventos internacionais?
Os festivais brasileiros já estão fazendo isso com maestria, como é o caso do Afropunk Brasil e o Psica, em Belém do Pará. Com 20 anos de história no mundo, o Afropunk celebra a sonoridade negra. Com um line-up todo negro, além da música, o festival promove uma integração entre as pessoas negras em um clima de valorização da cultura, da estética e do pertencimento. Já o Psica é um festival que nasce da cena independente de Belém e, a partir de 2023, alcança novos patrocínios para um grande patamar. O festival celebra a cultura local e também dá palco para artistas negros, indígenas e da comunidade LGBTQIAP+.
A diversidade geográfica dos eventos também é imprescindível para ecoar a voz das mais diversas manifestações culturais do Brasil. O eixo Rio-São Paulo já não dá mais conta dos festivais, que se espalham por diversas regiões. Esse movimento também é importante para o turismo.
Diversidade & inclusão
Outras políticas de diversidade também são importantes, como a mistura entre novos talentos com artistas já estabelecidos. Isso não apenas dá oportunidades a novos músicos, mas também oferece ao público a chance de descobrir novas músicas. Também é crucial pensar em inclusão socioeconômica com a disponibilidade de ingressos a preços variados, para incluir pessoas de baixa renda e garantir um público realmente diverso. Nessa leva, também não podemos deixar de fora a acessibilidade, garantindo que o show seja acessível para pessoas com deficiência, incluindo tradução em Libras, legendas para pessoas com deficiência auditiva, e infraestrutura adequada para a mobilidade.
A responsabilidade social também faz parte do evento. Grandes festivais já foram destaque na mídia por submeter seus trabalhadores a jornadas exaustivas de trabalho com baixa remuneração e sem acesso à alimentação, em um sistema totalmente precarizado. Esse tipo de conduta é inaceitável e também afasta pessoas conscientes do evento, causando crises de imagem. É fundamental assegurar condições de trabalho justas e seguras para todos os colaboradores do evento, incluindo remuneração compatível com o mercado, atendimento médico, entre outros direitos fundamentais.
Sustentabilidade ambiental
No quesito ambiental, o “E” da sigla ESG ainda anda a passos lentos no país, mas precisa de mais cuidados. A sustentabilidade exige uma boa gestão de resíduos, com coleta seletiva do lixo, utilização de materiais biodegradáveis ou recicláveis, como copos, pratos e talheres, e incentivo ao uso de garrafas reutilizáveis. Os eventos também podem utilizar fontes de energia renovável, como painéis solares ou geradores de biodiesel.
Não há dúvida de como o mercado de eventos, cultura e entretenimento segue a todo vapor. Até o final de 2024, teremos grandes shows e festivais em todo o Brasil. Existem diversos desafios neste setor, mas também muitas conquistas. Como uma apaixonada por música, sigo entusiasmada: vejo um futuro cheio de possibilidades para a música de qualidade, artistas negros e um mercado cultural cada dia mais sólido. Nos vemos nos festivais?