O humano e a importância do meio

Renata Camargo traz importantes reflexões pós-Madonna in Rio, destacando como referências, oportunidades e desenvolvimento impulsionam pessoas negras

O humano e a importância do meio David Banda, Stella e Mercy James participam da "The Celebration Tour." @madonna Instagram / Reprodução

Por muito tempo pessoas negras foram colocadas em determinados lugares, já houve até o lugar da genética inferior, do DNA inadequado, sem virtudes. E até os dias de hoje alguns estereótipos persistem para pessoas negras. Um exemplo: a sociedade, as empresas, nos enxergam como pessoas com mais dificuldade de aprendizagem para desenvolvimento de talento. 

Trazendo isso para o dia a dia para o mercado corporativo caímos na falta de oportunidade. É fato que as oportunidades a nós oferecidas são mais escassas, o que nos impede de muitas vezes aprender e desenvolver talento. É um círculo vicioso, uma estrutura, que trabalha para nos afastar do “palco” incansavelmente.

Entretanto, olhando o palco da popstar Madonna no encerramento da turnê The Celebration, no dia 04 de maio na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro vimos que quando não somos afastados nos desenvolvemos, lapidamos o talento e brilhamos. 

Madonna é mãe de 6 filhos, 2 biológicos e 4 adotivos. Os filhos que chegaram pela via de adoção vieram do Malaui, pais da África Ocidental. Davi Banda, 18, Mercy James, 18, Stella e Estere Ciccone, 11 participaram da apresentação da mãe no Rio de Janeiro e deram um show de talento. Mas como são tão talentosos se não tem o DNA da Madonna? Essa é a pergunta de muitos. Eu sei. A resposta: o meio, as oportunidades.

Antes de falarmos mais sobre isto, conheça um pouco sobre os filhos de Madonna que a acompanham na turnê.

David Banda Mwale Ciccone Ritchie

 Em 2006, durante uma viagem ao Malawi, na África, Madonna e o então marido Guy Ritchie adotaram o menino David Banda Mwale Ciccone Ritchie ainda bebê. O jovem, hoje, tem 18 anos e, assim como Lourdes, se inspirou na mãe para seguir na música. 

Mercy James

Em uma nova viagem ao Malawi, em 2009, Madonna conheceu e adotou Mercy James, sua quarta filha, quando a menina tinha três anos de idade. Na época, a cantora estava em meio ao processo de divórcio de Guy Ritchie. Mercy é pianista e responsável por um dos pontos altos da Celebration Tour, já que toca o instrumento de cauda enquanto a mãe canta a música Bad Girl.

Stella e Estere Ciccone

Nascidas no Malawi, as irmãs gêmeas foram adotadas pela cantora em 2017, quando tinham cinco anos de idade. Hoje, com 11 anos, as duas participam da Celebration Tour. Stella demonstra seu talento na dança durante a performance de Don’t Tell Me e Estere tem destaque na canção Vogue.

Frutos do meio em que se desenvolvem

Os filhos da Madonna vindos da África provam que o meio, os incentivos, podem ultrapassar o DNA. Os filhos artistas que tocam, dançam, cantam, performam não tem o código genético da Rainha do Pop.  Fazem porque foram criados ali com referências, oportunidades de aprendizagem, desenvolvimento. Receberam incentivos, descobriam talento no aprendizado e lapidaram na oportunidade da prática.

Talvez, o conhecido processo de osmose de aprendizagem — uma absorção quase automática de algo. Assimilar algo por osmose, por exemplo, acontece quando alguém aprende a fazer algo sem gastar energia ou precisar agir de forma intencional ou consciente para que aconteça esse aprendizado.



Voltando ao palco, logo após a apresentação de “Hung Up”, Mercy encantou o público durante a execução da música “Bad Girl”, do álbum “Erotica”. No número, a adolescente tocou um piano de calda enquanto a Rainha do Pop soltava a voz ao som da canção.

Enquanto isso, a pequena Estere acompanhou o grupo de bailarinos durante o aguardando momento de “Vogue”, clássico do repertório.

Por fim, David Banda também representou o cantor Prince em um solo de guitarra quando a diva apresenta a música “Like a Prayer”. Sua aparição, inclusive, arrancou elogios de internautas e foi bastante aclamada.

Agora, a diversidade do palco da Madonna, as oportunidades, as homenagens ali colocadas, a bandeira que a rainha do Pop ergue desse a década de 80, não foram vistas nas áreas VIP’s do evento, nas proximidades do palco. No Brasil e, claro, em vários outros lugares, ainda há o pensamento que iniciou esse artigo, a falta de acesso que nos invisibiliza e garante os estereótipos onde querem nos enquadrar.

Meu questionamento pós Madonna é: quando esse cenário vai de fato mudar?