O papel das instituições de ensino na promoção da história e cultura afro-brasileira 

Quando poderemos ter uma educação verdadeiramente inclusiva, antirracista e que reflita a diversidade brasileira?

O papel das instituições de ensino na promoção da história e cultura afro-brasileira 

O Brasil é uma nação com diversidade étnica e cultural, sendo o legado dos povos de nações afro-brasileiras uma parte essencial dessa rica cultura. 

Há quase duas décadas, a Lei Federal 10.639/03 foi decretada visando promover o ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas do país. Essa legislação representou um marco importante na luta contra o racismo estrutural e na valorização das contribuições dos povos e nações afro-brasileiras para a formação do Brasil. No entanto, uma pesquisa realizada pela Geledés em parceria com o Instituto Alana, revelou que a implementação efetiva da lei ainda é um desafio para a maioria das redes municipais de ensino no Brasil.

Reflexões do III Fórum Permanente de Povos Afrodescendentes

Recentemente, ao participar do III Fórum Permanente de Povos Afrodescendentes em Genebra, na sede da ONU, reiterei minha percepção sobre o quanto a educação é um dos pilares do progresso. Durante os painéis e as trocas de ideias sobre a educação na América Latina e Continente Africano para os povos afrodescendentes, pude observar que, em alguns momentos, os anseios são convergentes, enquanto em outros, a diferença de realidades se faz presente.

Atuando no ramo educacional e sabendo que uma parcela significativa das instituições de ensino não estão cumprindo a obrigação legal de reconhecer e incentivar a contribuição dos povos e nações afro-brasileiras na formação do Brasil, reflito sobre a falta e a necessidade de ações efetivas e consistentes dentro das escolas, assim sobre como a persistência de desafios estruturais e culturais dificultam a promoção da diversidade e a superação do racismo no ambiente educacional.

A História Não Contada dos Povos Africanos no Brasil

Desde os primórdios da colonização portuguesa, os africanos foram trazidos forçadamente para o Brasil. Muitos povos em sua maioria vindo através do tráfico negreiro trouxeram tecnologia e dentre elas a metalúrgica. Desde a época dos faraós já se fundia ferro e outros metais, então muitos especialistas foram deslocados à força e obrigados a trabalhar não somente nas lavouras, mas também em outras funções como carpinteiros, barbeiros, sapateiros, alfaiates, ferreiros, marceneiros, e esses conhecimentos foram transmitidos através de gerações. Negros engenheiros não eram permitidos ou reconhecidos, mas fizeram parte do processo de construção literal e da expansão das possibilidades de crescimento econômico do Brasil.

De tecidos a técnicas usadas no plantio da cana-de-açúcar, os povos africanos são autores de tecnologias usadas em todo o mundo, inclusive no Brasil.
De tecidos a técnicas usadas no plantio da cana-de-açúcar, os povos africanos são autores de tecnologias usadas em todo o mundo, inclusive no Brasil. (Imagem: Museu Afro)

Sabemos que muitos desses escravizados já eram viajantes e navegadores, com conhecimentos diplomáticos e alguns poliglotas, aliás essa é a realidade atual do continente africano. Apesar das condições desumanas da escravidão, os povos de nações afro-brasileiras preservaram suas tradições, línguas e culturas de maneiras criativas e resistentes. Através da música, dança, mão de obra, conhecimento, culinária e outras expressões culturais, eles criaram uma identidade distinta, mas que continua a influenciar e nos permitir usufruir de toda competência e saberes até os dias atuais. 

Pensadores Afro-brasileiros e Suas Contribuições

Como a formação é um processo dinâmico, podemos avançar no tempo e citar pensadores como Lélia Gonzalez, a contemporânea Sueli Carneiro, Abdias do Nascimento e outros que contribuem para que possamos avançar nas pesquisas, referências e na filosofia necessária para a construção de políticas públicas que busquem justiça e equidade, principalmente no campo educacional. Me atrevo também citar o próprio Silvio de Almeida, ministro de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania, que contribui com a sua obra sobre Racismo Estrutural, por exemplo. 

Mas, com tantas referências e contexto histórico, lidamos com obstáculos para trazer a história e cultura afro-brasileira para o ensino. Muitos educadores não recebem formação específica sobre o tema durante sua graduação e têm dificuldade em abordá-lo em sala de aula de maneira adequada. Isso resulta em aulas superficiais e estereotipadas, que não conseguem transmitir a riqueza e complexidade dos povos e nações para a formação do Brasil. 



Caminhos para uma Educação Inclusiva e Antirracista

A escassez de material didático adequado também representa um desafio significativo. Poucos são os recursos disponíveis que abordam de forma completa e precisa a história e cultura afro-brasileira, o que dificulta o planejamento e desenvolvimento de atividades educativas que atendam às exigências da lei,  limitando a capacidade dos professores de enriquecer o conteúdo curricular e promover uma educação antirracista e inclusiva.

Superar esses obstáculos requer um esforço conjunto de governos, instituições de ensino, sociedade civil e comunidades afrodescendentes para promover a formação continuada dos educadores, desenvolvendo e disponibilizando acesso a recursos educacionais diversificados. Somente assim será possível garantir uma educação verdadeiramente inclusiva, antirracista e reflexo da diversidade brasileira, assim como a valorização tão rica da cultura e a identidade afro-brasileira.