“Vidas Tardias”, de Brandon Taylor: ficção como um espelho das contradições contemporâneas

Em um campus universitário no meio-oeste dos EUA, Brandon Taylor explora sexo, política e as complexidades da identidade em tempos caóticos.

“Vidas Tardias”, de Brandon Taylor: ficção como um espelho das contradições contemporâneas

Os romances de Brandon Taylor nunca tratam a vida com leveza. Suas narrativas têm como palco ambientes acadêmicos, mas as questões vão além das salas de aula, revelando uma sociedade que constantemente oscila entre o sublime e o insuportável. Logo nas primeiras páginas de Vidas Tardias (The Late Americans), Seamus, um poeta branco e gay, estudante de pós-graduação, compara sua vida e a de seus colegas a uma casa de bonecas manipulada por um Deus distante e indiferente. A metáfora expõe de maneira crua o questionamento central do romance: seriam nossas vidas apenas espetáculos triviais em um mundo marcado pela dor cotidiana? E, nesse contexto, como sobreviver emocionalmente intactos?

Taylor estreou aos 30 anos com o impactante romance autobiográfico Mundo Real (Real Life), finalista do Booker Prize em 2020. A obra, centrada na perspectiva íntima e visceral de um jovem negro e gay que vive entre a solidão e a complexidade social, revelou um autor com raro domínio sobre os detalhes minuciosos da existência física e emocional. Seu talento para retratar situações desconfortáveis, muitas vezes com humor cortante e cenas de sexo explícitas, porém desprovidas de romantismo banal, o destacaram rapidamente na literatura contemporânea.

Essas mesmas qualidades aparecem em sua coleção de contos de 2021, Filthy Animals, onde personagens intensamente ligados revelam suas vulnerabilidades físicas e emocionais em detalhes quase desconcertantes. Aqui, novamente, a escrita de Taylor surge poderosa, descrevendo corpos e sentimentos de forma ao mesmo tempo lírica e brutal.

Em Vidas Tardias, o autor amplia seu escopo, trabalhando com um grande elenco formado principalmente por estudantes gays de dança e escrita criativa. O ambiente acadêmico é um microcosmo que destaca diferenças políticas e sociais sutis, porém profundas: entre aqueles que consomem carne e os que abominam a morte de animais; entre os defensores da pena de morte e os que a rejeitam absolutamente; entre aqueles que têm privilégios econômicos e os que precisam recorrer à pornografia discreta para sobreviver.

Raça aparece no romance de maneira cuidadosamente reservada, emergindo claramente apenas quando personagens enfrentam situações racistas, expondo tensões subjacentes e invisíveis na vida cotidiana. Taylor utiliza esses momentos para questionar as limitações e complexidades das políticas de identidade contemporâneas. Seamus, protagonista cuja visão dos “últimos americanos” dá título à obra, sente-se incomodado com colegas que reduzem sua arte à mera expressão do trauma pessoal. Para ele, poesia deve transcender o indivíduo e refletir algo maior, universal.

É corajoso abrir o livro com tal provocação, especialmente vindo de um personagem branco. Isso evidencia a intenção de Taylor em discutir arte e política além da mera identidade, algo raro e necessário no contexto atual. Não fica claro se a posição de Seamus reflete totalmente as ideias do autor, e essa ambiguidade torna a narrativa ainda mais envolvente.

Taylor se permite expandir o tempo narrativo de Vidas Tardias, algo característico das obras realistas clássicas como as de Tolstói ou Jane Austen, transitando semanas ou meses em poucas linhas. Novos personagens surgem até os últimos capítulos, incluindo Bea, uma instrutora de natação cuja aparição breve sugere que todos somos passageiros e circunstanciais na história alheia. Essa sensação de casualidade revela uma reflexão profunda sobre a condição transitória e quase banal da vida contemporânea.




Brandon Taylor também mantém um blog influente, onde debate a relevância do romance realista e as limitações das narrativas contemporâneas de autoficção. Ele argumenta que personagens precisam de corpos reais e contextos sociais concretos, contrastando com a tendência recente de protagonistas anestesiados e distantes. Em Vidas Tardias, percebe-se claramente seu esforço em explorar essas questões com ambivalência e intensidade.

Cada personagem do romance tem uma presença física detalhada e convincente, mas ao mesmo tempo existe um risco de uniformização, talvez refletindo a própria realidade homogeneizada da vida universitária americana. A metáfora da casa de bonecas, nesse sentido, amplia-se como uma crítica à própria sociedade, onde a dor, embora comum a todos, encontra formas particulares de violência e crueldade. Uma cena especialmente dolorosa envolve uma mulher negra, exposta a humilhação e agressão racista, colocando em xeque a ideia de uma dor universal.

Com Vidas Tardias, Brandon Taylor consolida-se como uma das vozes literárias mais significativas e provocativas de sua geração, oferecendo não apenas uma profunda reflexão sobre a complexidade humana, mas também um retrato agudo e questionador do nosso tempo.

Ficha Técnica

  • Título: Vidas tardias
  • Título original: The Late Americans
  • Autor: Brandon Taylor
  • Tradução: floresta
  • Capa: Bloco Gráfico
  • Imagem de capa: Francisco Hurtz
  • Formato: 13,5 x 20 cm
  • Número de páginas: 304 pp
  • ISBN: 978-65-6000-072-8
  • ISBN e-book: 978-65-6000-073-5
  • Preço: R$104,90 (e-book R$ 73,40)
  • Data de livraria: 04/02/2025
  • Editora: Fósforo