O mês de junho é o mês do orgulho LGBTQIAPN+. E o dia 28 de junho de 1969 é reconhecido como o Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, Isso acontece devido aos eventos no Stonewall Inn, em Nova York, onde membros da comunidade LGBTQIAPN+ resistiram à agressão policial. Este evento marcou o início do movimento moderno pelos direitos LGBTQIAPN+, simbolizando a resistência contra a opressão e inspirando uma luta mais visível e coordenada pela igualdade.
No dia em questão, um grupo de policiais de Nova York entrou no bar Stonewall Inn para uma batida, abordando quem o frequentava com violência, algo frequente de ser visto na região. Isso porque o local era frequentado por gays, lésbicas, drag queens, trans e outras pessoas da comunidade LGBTQIAPN+.
Revoltados por conta das agressões constantes, o público reagiu, resistindo à prisão e jogando objetos contra os oficiais. Dentre essas pessoas estava Marsha P. Johnson, mulher negra, transgênero e ativista que viria a inspirar diversos outros atos contra a brutalidade imposta não só em Stonewall, mas às pessoas LGBTQIAP+ como um todo. Ficando conhecido como “a revolta de Stonewall”, o ato impulsionou a luta por direitos, dando início ao movimento como o conhecemos hoje.
A coragem e importância de Marsha P. Johnson
A coragem e ativismo de Marsha P. Johnson não apenas catalisaram o evento que deu origem ao Dia do Orgulho, mas também destacaram a importância da inclusão e da visibilidade das pessoas trans dentro do movimento. Johnson ajudou a fundar o grupo STAR (Street Transvestite Action Revolutionaries), que apoiava jovens transgêneros sem-teto, solidificando seu legado como um ícone da luta pela justiça e igualdade para todos.
Nos Estados Unidos, houve embates entre o movimento negro e o LGBTQIAPN+. O primeiro alegava que o segundo tinha seus direitos conquistados com mais rapidez porque contava com um lobby de homossexuais brancos e ricos. Já no Brasil, o dirigente estadual do movimento negro unificado, Carlos Alves, afirmou que os movimentos negro e LGBTQIAPN+ estão abraçados. Para ele, diante de tantos casos de discriminação contra o público LGBTQIAPN+, muitos dos quais levam à morte das vítimas, essa situação se agrava cada vez mais e precisa ser protegida.
Segundo ele, nos nossos dias, não existe na comunidade negra nenhum constrangimento em relação à equiparação da LGBTfobia com o racismo. Entretanto, há quem argumente que não é válido colocar no mesmo patamar o racismo e a LGBTfobia, porque a comunidade LGBT nunca teria sido vítima de um regime oficial de segregação patrocinado pelo Estado, como foi o caso da escravidão da população negra e parda.
A Intersecção dos Movimentos Negro e LGBT
“Enquanto os gays brancos lutam por matrimônio e igualdade, a realidade para a imensa maioria dos negros gays é lutar pela sobrevivência”. Essa fala de Washington Dias, da Rede Afro LGBT, foi tema de um seminário realizado em Salvador, na Bahia, intitulado “Existências LGBTQIAPN+ Negras”, organizado pelo Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos, sediado em Washington. Washington Dias afirmou que todos os dados indicam que, quando uma pessoa é negra e LGBTQIAPN+, as suas vulnerabilidades são maiores. Ele citou, por exemplo, que há alguns anos a incidência de HIV e AIDS tem caído na população branca, mas crescido entre os negros. Da mesma forma, 80% dos homicídios de mulheres homossexuais são negras. Tudo isso mostra que o racismo potencializa a LGBTfobia, e a LGBTfobia alimentada pelo racismo vai ferir um grupo de pessoas que precisa ser entendido profundamente em suas características. E para fazer isso, é fundamental entender a intersecção entre eles na história.
Analisar essa intersecção entre os dois movimentos envolve entender como ela se deu nos Estados Unidos, berço de importantes avanços pelos direitos civis LGBTQIAPN+, e depois ver também como se deu no Brasil. Os dois casos vão trazer figuras fundamentais a essas lutas.
Nos Estados Unidos, africanos e afro-americanos sempre foram uma parte vibrante da comunidade LGBTQIAPN+. Vejam pioneiros ativistas como o romancista abertamente gay James Baldwin, a ativista dos direitos dos transgêneros Marsha P. Johnson, e também heróis modernos como a atriz Laverne Cox e o astro de basquete Jason Collins. Todos esses afro-americanos trouxeram e trazem enormes contribuições para a luta social e racial. Mas vamos focar em algumas figuras fundamentais.
James Baldwin, nascido em agosto de 1924 e falecido em 1987, foi um incrível autor norte-americano, crítico dos direitos civis sociais e também um grande inspirador dos direitos LGBTQIAPN+. Em um episódio inteiro no podcast Negro da Semana, podemos saber mais sobre sua história. Na adolescência, no início da década de 40, Baldwin percebeu que era gay e começou a sentir-se sufocado por ser afro-americano em uma sociedade americana homofóbica. Os únicos negros abertamente homossexuais na época eram ele e Bayard Rustin. Em 1948, aos 24 anos, Baldwin decidiu se mudar para a França para escapar do racismo e homofobia nos Estados Unidos. Como romancista, ele trouxe à tona os desafios, os aspectos sociais e as complexidades que negros gays e homens bissexuais enfrentavam na época, bem como as lutas internas que esses grupos enfrentavam pela aceitação. Um livro clássico dele é “O Quarto de Giovanni”, que apresenta a vida de um americano em Paris e os sentimentos e ações que ele tem sobre os relacionamentos com outros homens.
A maior influência e contribuição de Baldwin na luta pelos direitos civis e LGBTQIAPN+ foram através de seus inúmeros ensaios e livros como “Ninguém Sabe o Meu Nome” e “A Próxima Vez, o Fogo”. Esse último foi o primeiro livro de ensaio da história a passar 41 semanas entre os cinco primeiros da lista dos mais vendidos do New York Times. Baldwin também foi militante contra a guerra do Vietnã e defensor dos direitos dos gays e lésbicas. Seus ensaios e entrevistas da década de 80 discutem homossexualidade e homofobia com fervor e franqueza. Baldwin nunca reduziu sua capacidade ou papel por sua condição de negro e homossexual, enfrentando tanto liberais quanto radicais dentro do movimento negro.
Outra personalidade fundamental foi Bayard Rustin, conhecido como o gênio por trás de Martin Luther King Jr.. Nascido em 17 de março de 1912 e falecido em agosto de 1987, Rustin foi um dos primeiros gays da história moderna a viver abertamente como um homem negro gay em uma América extremamente homofóbica nas décadas de 40, 50 e 60. Rustin foi essencial na organização do movimento pelos direitos civis, mas sua homossexualidade provou ser um desafio significativo. Ele ajudou a organizar o boicote aos ônibus de Montgomery em 1955 e sempre defendeu a não-violência. Contudo, sua sexualidade trouxe conflitos dentro do movimento dos direitos civis.
Por exemplo, em 1960, um congressista dos EUA ameaçou vazar falsas notícias de que King e Rustin estavam tendo um caso se King não cancelasse uma marcha, o que levou Rustin a renunciar seu papel no planejamento da histórica Marcha sobre Washington em 1963. Apesar dos muitos contratempos pessoais e profissionais devido à sua sexualidade, Rustin era uma autoridade respeitada nos direitos LGBTQIAPN+ e frequentemente falava sobre a interseccionalidade entre direitos civis, direitos LGBTQIAPN+ e direitos humanos. Em 1986, ele descreveu o paralelo entre homofobia e racismo e incentivou a formação de coalizões para eliminar todas as injustiças.
Pioneiros e conquistas nos EUA e Brasil
Voltando aos primórdios das organizações gays nos Estados Unidos, a primeira organização gay surgiu em 1924, inspirada pelo que já havia acontecido na Alemanha. Nos anos 30, após o fim da Lei Seca, diversas cidades norte-americanas testemunharam a abertura de bares voltados à socialização de homossexuais, ainda que de maneira discreta e baseados em subornos a policiais. Nos anos 40, a Segunda Guerra Mundial contribuiu para a formação de redes de suporte e relacionamento entre mulheres nos EUA e homens no front, facilitando a articulação em torno de reivindicações comuns e a visibilidade de identidades marginalizadas.
Desde o século 20, quando a homossexualidade foi patologizada, o discurso médico impôs o ocultamento como única permissão aos homossexuais. No Brasil, o movimento negro unificado foi a primeira organização a incluir ativistas negros LGBTQIAPN+, com o coletivo “Adé Dudu – grupo de negros homossexuais”, fundado na cidade de Salvador, Bahia, em 14 de março de 1981. Ao longo da primeira metade da década de 1980, o grupo manteve uma intensa atividade de denuncia ao racismo enquanto estruturante da sociedade brasileira e do “duplo preconceito” vivido por negros LGBTQUIAPN+.
“Contra a discriminação do/a homossexual negro/a”
A aproximação entre Movimento Homossexual e Movimento Negro ocorreu também em São Paulo, em 1978. A participação do Somos – Grupo de Afirmação Homossexual, criado naquele ano, nas atividades realizadas pelo MNU para o Dia da Consciência Negra revela a construção de espaços de solidariedade entre os dois. Contudo, jovens negros homossexuais daquela cidade reconheceram a importância de debater a singularidade de sua experiência. Assim foi criado, em 1980, o Grupo de Negros Homossexuais de São Paulo (GNH-SP). De vida efêmera, o grupo se reuniu por cerca de nove meses e atuou de forma autônoma em relação a outras organizações.
Em janeiro de 1984, aconteceu em Salvador o II Encontro Brasileiro de Homossexuais, organizado pelo Adé Dudu e Grupo Gay da Bahia. Entre as pautas, estavam a “despatologização” da homossexualidade, a construção de uma legislação antidiscriminatória, a legalização do “casamento gay”, o tratamento positivo da comunidade na imprensa e a inclusão da educação sexual nos currículos. No evento, Hamilton Vieira apresentou uma comunicação sobre a história do Movimento Homossexual no Brasil, na qual ele analisa sua mobilização como parte da luta por direitos fundamentais e contra a ditadura, realizada em associação com movimentos negros, indígenas, feministas e de trabalhadores. Posteriormente, ele divulgou o texto em forma impressa sob o pseudônimo de Estevão dos Santos, que utilizava na imprensa negra ante o risco de comprometer seu emprego como jornalista.
Nomes contemporâneos fundamentais da luta negra LGBTQIAPN+ no Brasil
A luta negra LGBTQIAPN+ no Brasil é marcada por várias figuras influentes que têm trabalhado incansavelmente para promover a igualdade e combater a discriminação. Érika Hilton é uma dessas figuras proeminentes, sendo a primeira mulher trans negra eleita para a Câmara Municipal de São Paulo e atualmente deputada federal. Ela é conhecida por seu trabalho na defesa dos direitos humanos, especialmente focando nas questões que afetam a população trans e negra. Hilton também atua na promoção de políticas públicas que visam reduzir a violência e a desigualdade que afetam essas comunidades.
Outra figura de destaque é Erica Malunguinho, a primeira deputada trans na história da Assembleia Legislativa de São Paulo. Malunguinho é fundadora do quilombo urbano Aparelha Luzia e é conhecida por seu ativismo cultural e político. Ela defende a inclusão social e os direitos das pessoas LGBTQIAPN+, além de lutar contra o racismo estrutural. Malunguinho tem sido uma voz poderosa na promoção de políticas que visam proteger e empoderar as comunidades marginalizadas, criando espaços seguros e de resistência.
Washington Dias, fundador da Rede Afro LGBT, é um ativista que trabalha na interseção do movimento negro e LGBTQIAPN+. Ele organiza eventos como o “Existências LGBT+ Negras”, que aborda as vulnerabilidades específicas enfrentadas por essas comunidades. Outros nomes importantes incluem Lucia Xavier, coordenadora da ONG Criola, também tem sido uma figura influente, lutando pelos direitos das mulheres negras e LGBTQIAPN+, promovendo educação e políticas de inclusão.
Além dessas personalidades, Artur Santoro também tem se destacado significativamente. Co-fundador da plataforma Batekoo, Santoro promove o empreendedorismo e a cultura para a juventude urbana com foco nos públicos negros, periféricos e LGBTQIAPN+. A Batekoo tem sido uma plataforma essencial na produção cultural e na capacitação de artistas negros LGBTQIAPN+, proporcionando visibilidade e oportunidades para expressarem suas identidades e histórias.
Não podemos esquecer de Marielle Franco, também figura icônica icônica nesta luta. Vereadora do Rio de Janeiro, Marielle era uma mulher negra, lésbica e mãe que lutava fervorosamente pelos direitos humanos, especialmente pelos direitos das mulheres negras, LGBTQIAPN+ e moradores de favelas. Seu assassinato em março de 2018 chocou o país e o mundo, mas também catalisou uma onda de mobilização e ativismo em prol das causas que ela defendia.
Todos estes líderes exemplificam a resistência e a resiliência da comunidade negra LGBTQIAPN+ no Brasil, cada um contribuindo de maneira significativa para um país mais justo e inclusivo.