06.12.2024

Como ser publicitário e não surtar (muito) no capitalismo

Enio Xavier analisa os dilemas éticos e as oportunidades para uma publicidade mais inclusiva, destacando o impacto da representatividade negra no mercado brasileiro.

Como ser publicitário e não surtar (muito) no capitalismo Imagem criada via IA por Genibot.

Olá, profissional do mercado publicitário. Vamos direto ao ponto: quem aqui nunca teve uma crise existencial enquanto revisava um anúncio ou bolava aquela ideia “brilhante” que, no fundo, você sabe que ninguém precisava? Se você respondeu “eu”, parabéns, você está num nível de negação olímpico. Agora, se você, como a maioria de nós, já se perguntou o que está fazendo com a sua vida enquanto tenta vender um festival com pouquíssima representatividade no lineup ou um celular que faz exatamente o que outros dez já fazem, então, bem-vindos à terapia coletiva dos publicitários que ainda têm um pingo de consciência.

Eu entendo. A publicidade pode parecer, às vezes, uma vilã que impulsiona o consumismo e reforça padrões de comportamento problemáticos. Mas calma, vamos pensar com mais cuidado e pragmatismo. Dá para repensar nossa profissão sem renegar tudo que fazemos, e ainda encontrar um propósito genuíno, afinal, publicitários são engenhosos, certo?

O peso de ser publicitário negro em um mundo capitalista

Se ser publicitário em um mundo capitalista é complicado, ser publicitário negro nesse ambiente é praticamente um esporte de alto risco. A disparidade racial nas agências é gritante. Dados do Censo de Diversidade nas Agências mostram que apenas 8% dos CEOs são negros, e não há uma única mulher negra nos cargos de liderança máxima nas grandes agências. Para um país onde mais de 50% da população é negra ou parda, esse número é praticamente um soco no estômago.

E não estamos falando só de representatividade por “checklist”. Quando excluímos vozes negras do processo criativo, perdemos a oportunidade de criar campanhas autênticas que realmente reflitam a sociedade brasileira. Isso tem consequências reais, não só para a justiça social, mas também para o faturamento das marcas. Sabia que o mercado negro movimenta cerca de R$ 1,7 trilhão anualmente? Ignorar esse público é não só miopia estratégica, mas também uma burrice financeira tremenda. Adivinha o que acontece quando as campanhas não refletem essa diversidade? O público se desliga, e sua marca perde relevância​.

Próxima estação: submundo da publicidade

Falando em perder relevância, não podemos esquecer do infame “black marketing”, que nada tem de representativo no nome. Se você já viu aquelas promoções de produtos de R$ 600 por R$ 39,90, ou aquelas propagandas de coisas milagrosas, bem-vindo ao submundo da publicidade. O pior é saber que muitos dos envolvidos nessas práticas são profissionais que, em vez de usarem suas habilidades para criar algo de valor, estão hackeando o sistema de maneiras duvidosas.

E aí fica a pergunta: como esperamos que o público confie na publicidade, se metade das práticas é eticamente questionável? Não adianta o consumidor se educar para identificar uma boa campanha — nós é que precisamos parar de fazer besteira. Seguir as diretrizes éticas do Conar não é um desafio impossível, mas, aparentemente, tem gente que adora complicar.

Não rasgue o diploma, respira fundo

Mesmo dentro dos limites do capitalismo, a publicidade ainda pode ser um espaço de transformação. Claro, o sistema tem suas falhas — é impossível ignorar isso. Mas é fato que vozes diversas nos processos geram mais autenticidade e inovação, itens indispensáveis para expor estereótipos e impactar a sociedade positivamente.

Se a publicidade não fosse uma ferramenta de transformação, estaríamos muito mais distantes dessas conversas.

Soluções práticas para um futuro mais inclusivo

Agora que já abordamos o problema, vamos falar sobre soluções. Porque, sim, é possível fazer diferente. Mas não adianta nada só falar sobre diversidade; é preciso incorporar essa prática de forma mais prática. Separei aqui apenas algumas ações práticas que as agências e marcas podem adotar:

  1. Contratação ativa de pessoas negras: Não espere que a diversidade chegue do nada. Crie programas de recrutamento direcionados a grupos sub-representados, e vá além da entrada — invista na retenção e crescimento desses profissionais dentro da empresa.
  2. Treinamento de lideranças: Líderes precisam entender como fomentar um ambiente inclusivo. Promova capacitações contínuas para que gestores saibam identificar e lidar com vieses inconscientes e possam criar um espaço de crescimento para todos.
  3. Diversidade nos processos criativos: Inclua vozes diversas em cada etapa da criação. Do brainstorming até a arte final, é importante que profissionais negros participem ativamente para garantir que as campanhas reflitam a realidade do público.
  4. Parcerias com instituições de fomento à diversidade: Estabeleça colaborações com organizações que promovem a inclusão e equidade racial no mercado de trabalho. Isso não só fortalece o impacto social, mas também oferece insights e recursos que podem acelerar a transformação dentro da empresa.

Essas são apenas algumas maneiras de começar. O caminho para uma publicidade mais inclusiva não é da noite para o dia, mas é possível e MUITO necessário. Ao longo do tempo, essas pequenas mudanças se acumulam, gerando impacto tanto no ambiente interno das agências quanto na relação com as pessoas reais.

Reconciliação com a profissão

Agora que você já refletiu, riu (espero), e até se identificou com algumas dessas questões, a pergunta final: tem como salvar essa profissão? Claro que tem. A publicidade pode, sim, ser uma ferramenta de transformação, e não apenas de venda. Isso requer mais do que boas ideias. Requer representatividade, diversidade real nos processos criativos e, claro, uma boa dose de pragmatismo.



Então, se você ainda está naquela crise existencial, relaxa. Você não está sozinho. Profissionais de diversas áreas — médicos, engenheiros, veterinários — também enfrentam dilemas éticos em suas profissões. Talvez não seja possível transformar o mundo com cada campanha, mas dá para começar por onde estamos. E quem sabe, com o tempo, a gente consiga fazer algo melhor dentro desse sistema imperfeito. Talvez não seja a revolução que a gente sonhava lá na faculdade, mas é o caminho para uma publicidade mais consciente e transformadora.

Mês que vem eu volto com outro texto. Enquanto isso, não surta.

Lembre-se: você poderia estar vendendo suas artes na praia, mas decidiu trabalhar com comunicação em um mundo capitalista. Vamos conversar mais sobre isso, me chama na DM (@eitaenio), vamos nos fortalecer.