02.03.2025 Ícone da categoria

Os indicados negros ao Oscar 2025 e a injustiça histórica da premiação

O reconhecimento de talentos negros no Oscar ainda é uma concessão, não uma regra.

Os indicados negros ao Oscar 2025 e a injustiça histórica da premiação

Os indicados negros de 2025 refletem um progresso gradual na diversidade da premiação, mas também evidenciam as persistentes barreiras enfrentadas por artistas negros em Hollywood. Historicamente, a representatividade sempre foi limitada. Em quase 100 anos de Oscar, menos de 1 artista negro foi indicado por edição nas principais categorias de atuação e direção, e 51 cerimônias sequer contaram com um único indicado negro nessas áreas.

O problema fica ainda mais evidente ao analisarmos os vencedores. Apenas seis atores negros conquistaram o Oscar de Melhor Ator ou Atriz Principal em toda a história. A situação é ainda mais alarmante para diretores: até hoje, nenhum cineasta negro venceu o prêmio de Melhor Direção. Em 1991 — nem mesmo 30 anos atrás — John Singleton se tornou o primeiro afro-americano a ser indicado pela Academia como Melhor Diretor por seu trabalho no drama seminal de South Central, Os donos da rua (Boyz N the Hood). Isso não se deve à falta de produções excepcionais, mas sim a um padrão contínuo de exclusão.

Um dos maiores exemplos dessa injustiça sistêmica é o tratamento que a Academia deu a Spike Lee ao longo de sua carreira. Diretor de clássicos como Faça a Coisa Certa (Do the Right Thing) e Malcolm X, Lee passou décadas sendo ignorado pela premiação, apesar de sua profunda influência no cinema americano. Apenas em 2019, com Infiltrado na Klan (Blackkklansman), ele recebeu seu primeiro Oscar por Melhor Roteiro Adaptado – uma vitória tardia para um cineasta que revolucionou o cinema e escancarou as contradições raciais dos Estados Unidos. A negligência da Academia em reconhecer sua genialidade reflete a dificuldade histórica em premiar artistas negros que desafiam narrativas confortáveis e estruturas de poder estabelecidas.

A cada ano, performances e direções negras que redefinem o cinema são ignoradas. Em 2023, A Mulher Rei (The Woman King), estrelado e produzido por Viola Davis, foi amplamente aclamado, mas deixado de fora. Em 2024, Rustin, com Colman Domingo, trouxe uma das melhores atuações do ano, mas foi ignorado nas principais categorias. Agora, em 2025, vemos novamente um número limitado de indicados negros, enquanto várias produções lideradas por artistas negros ficaram de fora.

A indústria segue um padrão: concede avanços simbólicos para criar a ilusão de inclusão, mas sem romper com sua estrutura elitista. Ainda que nomes como Cynthia Erivo e Zoe Saldaña estejam entre os indicados deste ano, e profissionais negros marquem presença em categorias técnicas como figurino e trilha sonora, o reconhecimento continua sendo exceção, e não regra.

A desigualdade fica evidente nos bastidores. Quantos roteiristas, compositores e figurinistas negros foram esquecidos? Em 2025, temos Kris Bowers entre os indicados a Melhor Trilha Sonora Original e Paul Tazewell em Melhor Figurino, mas a lista poderia (e deveria) ser muito maior.

O Oscar e a indústria cinematográfica não podem se esconder atrás da narrativa de que a mudança está acontecendo. Os números e os fatos mostram o contrário. Enquanto diretores como Ava DuVernay, Barry Jenkins e Steve McQueen forem tratados como exceções e não como parte de uma nova normalidade, o problema persistirá.

Os indicados negros de 2025 são talentosos e merecem reconhecimento. Mas a pergunta que não pode ser ignorada é: quantos outros foram injustamente deixados de fora este ano? E quantos mais continuarão a ser?

Conheça os indicados negros ao Oscar 2025 e a importância de suas indicações:

Colman Domingo
Melhor Ator por Sing Sing
Colman Domingo continua a redefinir o que significa ser um ator completo. Em Sing Sing, ele mergulha na vulnerabilidade de um homem vivendo os desafios do sistema prisional. Sua atuação explora camadas profundas da humanidade e revela como a arte pode transformar e humanizar até as narrativas mais difíceis. Indicado a Melhor Ator no Critics Choice Awards, Colman prova mais uma vez por que é uma das figuras mais relevantes do cinema atual.

Cynthia Erivo
Melhor Atriz por Wicked
Com sua potência vocal e intensidade dramática, reafirma por que é uma das artistas mais completas de sua geração. Vencedora do Tony, Grammy e Emmy, e indicada ao Oscar por “Harriet” (2019), apotou no canto ao vivo para capturar nuances autênticas, com desafios técnicos como sustentar notas poderosas em sequências fisicamente intensas. Sua trajetória que inclui “The Color Purple” e “Genius: Aretha”, sua entrega em “Wicked” não apenas homenageia o clássico, mas redefine sua interpretação para o cinema.

Zoe Saldaña
Melhor Atriz Coadjuvante por Emilia Pérez
Zoe Saldaña é uma atriz que transita com maestria entre grandes franquias e dramas profundos. Em “Emilia Pérez”, ela entrega uma performance cheia de nuances. Porém, o filme enfrenta críticas severas por escolhas culturais controversas que questionam sua credibilidade. Mesmo assim, Zoe brilha em um papel que reforça sua versatilidade. Indicada a Melhor Atriz Coadjuvante no Critics Choice, sua atuação é um lembrete de como a arte pode abrir diálogos importantes.

RaMell Ross
Melhor Roteiro Adaptado por Nickel Boys
​Conhecido pelo documentário que também dirigiu “Hale County This Morning, This Evening” (2018), em “Nickel Boys” Ross utiliza uma perspectiva em primeira pessoa para imergir o espectador na experiência dos personagens. Essa técnica foi planejada para capturar a subjetividade dos protagonistas, oferecendo uma narrativa íntima e sensorial. Sua trajetória também inclui o curta-metragem “Easter Snap” (2019), evidenciando seu compromisso com narrativas que exploram a experiência negra nos Estados Unidos.

Kris Bowers
Melhor Trilha Sonora Original por O Robô Selvagem
​Conhecido por seu trabalho em “Green Book” e “King Richard”, Bowers compôs mais de 80 minutos de trilha para “O Robô Selvagem”, equilibrando sintetizadores – que representam sua origem mecânica – e percussões orgânicas, evocando o mundo selvagem ao seu redor. Em colaboração com o grupo Sandbox Percussion, ele incorporou sons experimentais, como garrafas de vidro cromaticamente afinadas e xícaras de chá, criando uma atmosfera sonora única que amplia a narrativa visual e emocional do filme.

Paul Tazewell
Melhor Figurino por Wicked
A indicação de Paul Tazewell consagra a trajetória do figurinista, premiado por “Hamilton” e indicado por “West Side Story”. Em “Wicked”, Tazewell recria Oz com texturas inspiradas na natureza, incorporando formas orgânicas nos trajes de Elphaba e detalhes sofisticados no icônico vestido rosa de Glinda, cuja confecção exigiu mais de 200 horas de trabalho manual. Seu olhar detalhista transforma figurinos em extensões da narrativa, dando vida visual à magia do musical.



Abraham Alexander
Melhor Canção Original por Sing Sing
Composta em parceria com Adrian Quesada, a canção de Abrham Alexandre para “Sing Sing” aborda temas de redenção e esperança, alinhando-se à narrativa do filme sobre reabilitação no sistema prisional. Notavelmente, “Like a Bird” não havia sido indicada ao Globo de Ouro nem prevista por analistas da indústria, tornando sua nomeação ao Oscar uma surpresa que ressalta o talento e a crescente influência de Alexander na cena musical contemporânea.