A desigualdade de cachês em tempos de valorização de talentos negros

Daniel Pitanga, advogado especialista em Mídia, Entretenimento e Publicidade, expõe a disparidade nos cachês de talentos negros e defende a busca por remunerações mais justas no mercado.

A desigualdade de cachês em tempos de valorização de talentos negros

Já são quase duas décadas de atuação no mercado de mídia e entretenimento. Ao longo dos anos, vivenciei alguns ciclos dessa indústria e, sem dúvida, o desenvolvimento e a proliferação da comunicação digital resultou em mudanças significativas na forma de produção e consumo de conteúdos. Essas mudanças levaram à alteração, também, da alocação de receitas de publicidade pelas empresas, impactando nas receitas das mídias tradicionais e abrindo uma janela de oportunidades junto aos novos atores do mercado de produção de conteúdo digital, incluindo influenciadores digitais, produtoras de conteúdos, agências de marketing, entre outros.

Os novos formatos de comunicação digital preconizam uma comunicação direta e eficiente das marcas com seu público consumidor, gerando a necessidade de trazer para o holofote as diversas representatividades dos consumidores brasileiros. Neste contexto, temos visto o crescimento dos talentos negros em comunicações de marcas no Brasil, onde, segundo o IBGE, aproximadamente 56% da população brasileira é negra.

Apesar da necessidade das empresas em lançar mão dos talentos negros para comunicar seus produtos, não se observa uma valorização correspondente nas remunerações destinadas a esses talentos. Como advogado de talentos, é comum participar de negociações com empresas nas quais os cachês destinados a talentos negros são, consideravelmente, inferiores a outros talentos do mercado. A precificação de cachês parece ter um viés, ainda que inconsciente, racial. Como cantava a saudosa Elza Soares, a sensação que temos é que “A carne mais barata do mercado é a carne negra”.

“A precificação de cachês parece ter um viés, ainda que inconsciente, racial.”

Muitos são os argumentos utilizados e diversas as batalhas travadas para exigir remunerações compatíveis com a história e, principalmente, com as entregas dos talentos negros, esforço este que, muitas vezes, é dispensado quando represento outros talentos.

Quando o talento está em evidência e as pesquisas da marca indicam ser ele o nome certo para emprestar seu prestígio e imagem para a comunicação da empresa, as negociações se estendem, mas avançam, e conseguimos alcançar patamares de remuneração compatíveis com as entregas requeridas. Por outro lado, nos casos em que há opção de substituição do talento, é triste se deparar com propostas indecentes apresentadas como “é pegar ou largar”, sempre sob o argumento de que o orçamento do projeto é pequeno ou enxuto.

No dia a dia profissional, várias são as estratégias para driblar as investidas de empresas que se apresentam como inclusivas, mas acabam sendo seletivas quando se trata de pagamento de remuneração compatível com o trabalho realizado por talentos negros, ainda que todas as métricas de mercado demonstrem entregas superiores ao valor ofertado ao talento.



Devemos estar atentos ao mercado e exigir remunerações compatíveis com os trabalhos realizados pelos talentos negros. Ainda, precisamos ter plena percepção das entregas acordadas, uma vez que a discrepância de remuneração não se dá, apenas, no preço em si, mas também na excessiva quantidade de entregas como condição para o pagamento de uma remuneração adequada. E, principalmente, devemos nos instruir sobre os direitos dos talentos.

A convite da Casablack, vou escrever artigos com linguagem acessível para trazer informações jurídicas valiosas para o empoderamento dos talentos negros do mercado de mídia e entretenimento. Nos próximos textos, abordarei temas como Direitos Autorais, Direito de Imagem e Contratos.