Emicida, Laboratório Fantasma e a evolução do branding musical

Como o rapper contribuiu para redefinir o rap nacional e construiu uma marca global relevante para o mercado criativo brasileiro

Emicida, Laboratório Fantasma e a evolução do branding musical

“Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe”. Constantemente me pego pensando sobre esse título, uma frase poderosa que me soa como um guia. Esse trabalho marcou minha geração e posicionou Emicida de uma vez por todas como referência no rap nacional. Lá da escadaria do CDHU onde cresci, só dava ele. Nós nos conectamos pela ambição comum, o desejo de ser alguém, ou, como ele mesmo diz, de “saltar da sub-humanidade”.

Em maio de 2009, o rapper deu um salto em sua carreira, já consolidada e reconhecida nas ruas de São Paulo pelas batalhas de rima, onde já era referência. Nesse trabalho, ele expurgou seus demônios e medos e trouxe corajosamente seus objetivos e sonhos. O conceito de mixtape por si só já é bastante underground, pois pressupõe uma maior liberdade de formato em relação a um álbum, e as faixas não necessariamente conversam entre si. Nesse caso, nosso amigo Leandro surpreende novamente, visto que a mixtape, com 25 faixas, é uma autobiografia consistente dos primeiros vinte e poucos anos de sua vida.

Na época, foram vendidas 3 mil cópias no boca a boca, pelas mãos do próprio MC, que fez as capas à mão, cortando e carimbando uma a uma, além de gravar o CD em seu computador. Foi bem no meio desse processo que nasceu a empresa, criada junto ao seu irmão, Evandro Fióti, que mais tarde se tornaria o selo responsável pelos próximos lançamentos de Emicida e de outros artistas como Rael e Drik Barbosa.

Emicida em 2005 na produção de seu disco/ Foto/Reprodução Facebook

Eu poderia dedicar este texto a dissecar a obra, faixa a faixa, de maneira merecida, e talvez faça isso em outro momento mais oportuno. No entanto, aproveito o espaço para explorar algo que ainda não li e que me interessa muito nessa jornada: a construção da identidade da marca Laboratório Fantasma a partir desse momento explosivo.

O nascimento da LAB

Essa curiosidade surgiu na minha mente lá atrás, em uma palestra com Marcela Righi, ex-Head de Estratégia e Marketing Internacional da Lab, e se intensificou ainda mais ao ler e ouvir o próprio Emicida falar sobre esse processo em entrevistas. Afinal, é interessante pensar na trajetória de um rapaz franzino que vendia mixtapes de mão em mão nas portas de shows de rap até ganhar um Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa.

Mesmo que de forma instintiva, com pouco ou nenhum conhecimento técnico formal, quando Emicida começou a oferecer o produto de maneira personalizada, ele já estava construindo um branding, criando relevância e diferencial. Sua carreira fugiu do padrão tradicional brasileiro. De forma disruptiva, nos anos 2010, ficou conhecido sem ter álbuns editados, utilizando as redes sociais a seu favor e lançando duas mixtapes e dois EPs antes de um álbum de estúdio. Não à toa, com o tempo, tornou-se referência em merchandising de artistas, com parcerias como Caetano Veloso, Criolo e Ogi.

Evandro Fióti, CEO da LAB e irmão de Emicida

Declaradamente inspirado por seu ídolo Mano Brown, que por sua vez expressou reciprocamente sua admiração ao dizer à GQ que o rap, à época asfixiado, foi transformado após a chegada de Emicida, este nunca teve “dom pra vítima”.

A Laboratório Fantasma é um hub de entretenimento, de onde saíram projetos como uma antologia comemorativa aos dez anos do lançamento de 2009, ilustrada no estilo graphic novel, inspirada no universo dos super-heróis. Esse trabalho pode ser definido como uma experiência visual, sonora e literária. Com a colaboração de mais de cem convidados, entre artistas, rappers, ilustradores, especialistas e parceiros, o livro mergulha na atmosfera de cada uma das 25 canções, conectando hip-hop, arte, moda, racismo, sexualidade, romance, política e negócios.

Evolução do Laboratório Fantasma

Atualmente, o negócio tem ganhado outras camadas, mantendo-se conectado às tendências e apostando em ramos ainda mais populares, de apelo mainstream. Emicida, que apresentou o programa Papo de Segunda (2018-2022), lançou o podcast Sambas Contados, uma produção da Laboratório Fantasma com a Globoplay, onde narra a história do ritmo mais popular do país. Além disso, a marca, que nasceu como “Na Humilde Crew”, focada inicialmente em vestuário, não se desvincula de suas origens e continua sendo relevante na moda. Com duas participações na São Paulo Fashion Week, a Lab marcou seu nome na história, impactando as passarelas com criadores e histórias pretas, e até hoje desenvolve coleções recorrentes de streetwear.



Como relações públicas, especialista em tendências de consumo e geração de valor agregado a marcas, é impossível não notar a visão de negócios por trás de tudo isso. Acredito que os empresários chegaram longe por valorizarem a ideia de que música e branding podem andar juntos, construindo relacionamentos estratégicos e oferecendo uma gama de produtos e serviços ao seu público.

Internacionalizaram seu trabalho, buscaram recursos, sentaram-se em mesas importantes e fecharam negócios com profissionais gigantes do mercado de marketing e publicidade. É estratégico e sustentável. A Laboratório Fantasma continua criando ferramentas e abrindo caminhos no setor da economia criativa.

De maneira otimista, o trabalho de 15 anos atrás provavelmente não se repetirá, justamente porque o artista mudou sua história e construiu uma nova perspectiva sobre si e sobre seu entorno. Ele chegou longe, e é preciso falar de outras coisas.