Baby, de Marcelo Caetano, é um filme muito delicado — e isso fica óbvio desde as primeiras cenas. Depois que vi, fiquei dizendo para todo mundo que conheço sobre Baby, quis fazer ecoar contando de uma cena ou outra ou de como me senti. Baby me atravessou tanto que pensei: por que não escrever sobre?
Escrever sobre cinema, apesar de ter um amor profundo pela sétima arte, sempre me pareceu uma tarefa difícil, porque em alguns casos, como é o de Baby, o filme me parece tão completo, tão certo, que não há nada que eu possa acrescentar.
Será?
Eu gosto de belas imagens e boas histórias, mas o que chama mais meu coração são as narrativas de encontro. Deixa eu te contar: num domingo chuvoso, encontrei um amigo querido no meu cinema favorito de São Paulo, o CineSesc, para ver Baby. Eu não lembro quem decidiu o que íamos assistir, mas pressentíamos que seria bom. O letreiro vermelho neon com o título do filme no bar-café já dava o tom incandescente do filme.
A trama desenrola-se costurando um romance entre três: Ronaldo, Baby e o Centro da cidade de São Paulo. E, dentro do Centro, o universo de Ronaldo ocupa sutilmente todos os espaços.
Sua presença, de uma beleza e charme arrebatadores, me fez sentir dentro da casa, inspirando o cheiro de sua colônia, testemunhando o desenrolar entre Baby e ele, as roupas no varal, o quarto-sala-cozinha, o barulho do trem sendo mostrados de forma tão real, tão próxima.
Contar a história de um amor fugaz entre dois homens pode parecer o centro do que o filme traz, mas o que para mim foi mais marcante é a presença da cidade de São Paulo — principalmente o Centro dela.
Para quem, como eu, vive o Centro cotidianamente e reconhece de cara os cenários que aparecem — que incluem a Praça da República, os cinemas eróticos da Av. Ipiranga, as galerias da Barão de Itapetininga —, transformam Baby e Ronaldo em pessoas conhecidas, muito próximas. Parece ser a história de uma amizade que viveu aquele encontro naquele território tão familiar.
A cidade promove encontro, impossível negar. Apesar do que vão dizer os mais pessimistas — com alguma razão, porque de fato e de corpo estamos todos para dentro dos nossos celulares e de nossas cabeças em bolhas —, eu tenho que acreditar no encontro. Na esquina seguinte, posso ser atravessada por uma manifestação, um gesto, um cheiro, um esbarrão, uma violência, uma piscadela. Muito dificilmente nada acontece no percurso casa-trabalho.
Tantas cenas passam despercebidas pelos nossos olhos.
O filme me fez reconectar com a experiência de cidade que acredito e vivo, quando cria histórias com personagens de corpos fora da norma (negres, bixas, lésbicas, trans) como protagonistas e agentes de suas histórias, apresentando um Centro verdadeiro: afetuoso, cortante, poético.
Questiono que espaços são seguros e podem proporcionar enlaces gentis nessa cidade que impulsiona as gentes a se desencontrarem com a mesma potência que propõe um possível encontro a cada esquina. Como disse anteriormente, eu tenho que acreditar no encontro. Enquanto mulher negra, eu preciso da esperança de um enlace com a cidade, uma surpresa — que pode ser nada do que eu esperava encontrar.
Lembro de Gilberto Gil quando, em Se eu quiser falar com Deus, nos diz:
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar, vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar